Diversão e Arte

Mostra exibe a produção cinematográfica brasiliense nas ruas

postado em 05/07/2012 07:00

Existe uma atitude instigante na iniciativa da mostra Rua Cinema Nosso, organizada pelo coletivo Muruá, que ocupará 11 regiões administrativas do Distrito Federal de 5/7 até setembro, sempre às quintas-feiras. Aproveitando o período sem chuvas, serão projetados curtas-metragens brasilienses de todos os tempos bem no meio da rua. Ou melhor, em praças. ;É uma provocação em dois campos. A primeira é o fato de o Distrito Federal ter uma produção cinematográfica grande desde 1960 e ironicamente não haver espaço para os cineastas exibirem os filmes na região. Ficamos reféns do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro que tem uma postura demagógica em relação ao cinema feito na cidade com sessões feitas à tarde e no meio da semana;, explica um dos organizadores Alan Schvarsberg.



A segunda contestação também faz parte da cultura ou consciência coletiva da cidade. ;Nós estamos em uma cidade concebida com um projeto funcionalista como proposta arquitetônica e urbanística. E a rua funciona como lugar de trânsito, passagem. As potencialidades da rua vão se perdendo como espaço cultural, de encontros casuais. Além disso, existe cada vez mais existe a ideia da rua como o profano, o lugar do medo;, completa Schvarsberg. A curadoria feita pela cineasta e pesquisadora Daniela Marinho procurou convergências entre os títulos escolhidos para cada noite. No extra campo do quadrado cinematográfico, a seleção de filmes tenta encontrar diálogos ou características semelhantes com as regiões administrativas em que serão projetados. Portanto, os 11 programas do festival serão diferentes. A primeira sessão desta quinta, às 19h, no Plano Piloto inicia com Brasília em construção pelas lentes do documentarista Vladimir Carvalho em Brasília segundo Feldman e Fala Brasília, de Nelson Pereira dos Santos até a cidade dos anos 2000, em De asfalto e terra vermelha, de Camila Freitas e Antoine d;Artemare.

Cinco perguntas// Camila Freitas

1- Morar no exterior te ajudou a ter uma visão diferente em relação a cidade? O que mudou?

Camila Freitas ; Estar fora da cidade e sobretudo do país nos últimos cinco anos foi parte essencial do meu processo de compreensão. O recuo e a distância, juntamente com retornos frequentes a cada ano, me permitiram apreender Brasília de uma maneira mais ampla e menos centrada unicamente na minha própria experiência cotidiana. Eu sempre tive muito amor pelas coisas e assuntos de Brasília. Ao mesmo tempo, quando morava aí, muitas coisas me incomodavam diretamente e eu passei um tempo nutrindo um certo desprezo pela cidade. Quando saí do país, comecei a entender porquê a realidade social de Brasília me incomodava e essa sensação veio com certo alívio porque vi com meus próprios olhos que outras maneiras de viver são possíveis, e mesmo vivendo aí eu não precisaria mais seguir os códigos que me desapontavam. De asfalto e terra vermelha teria sido um filme muito diferente sem esse recuo e ele só foi possível graças a divergência das experiências dos realizadores quanto a cidade: a minha visão de brasiliense que sempre pensou sobre a cidade e a do Antoine (francês), a quem ela tinha sido apenas recentemente apresentada e para quem parecia fria e estranha e ao mesmo tempo tão atraente quanto um ímã.

2- O documentário faz várias análises sobre a cidade de Brasília atual, incluindo a especulação imobiliária, usando como premissa os trajetos feitos de carro. O que mudou na cidade desde a inauguração na visão de quem cresceu na cidade?

Camila ; Brasília é uma espécie de transplante feito no coração do Brasil: células estranhas ao ambiente ; e estranhas entre si ; foram artificialmente implantadas. Levou tempo para que elas fossem incorporadas pelo tecido receptor. As pessoas se mudaram para Brasília com objetivos bastante precisos no começo e a função administrativa principal é inconteste. Ao longo das gerações, com o aparecimento dos nativos brasilienses, o estabelecimento de regras sociais e de uma lógica própria à cidade foram se solidificando. As pessoas foram entendendo que esse patchwork é em si mesmo uma identidade. Brasília sempre foi alvo de especulação imobiliária. Ela foi construída sob essa égide. No entanto, essa questão veio muito mais descaradamente à tona nos últimos anos, como várias outras, e para a qual Brasília não tinha dado uma resposta tão pungente quanto a que ela está disposta a dar hoje. Um exemplo é questão do setor Noroeste. Parece que os brasilienses cansaram de habitar uma cidade que lhes escapa, que serve a uma elite pequena que muitas vezes não tem qualquer envolvimento com a cidade. Essa ideia não é mais aceita. Brasília existe. É una e diversa.

3- Apesar de suscitar muitas questões, o documentário não encerra respostas. Existe uma perspectiva para os temas que vocês levantam?

Camila ; A idéia do filme não era ser militante com respostas no verso e nem conter indicações de para onde ir ou o que fazer. Nem se pretende dar uma visão apocalíptica da cidade. O filme é sobre o sentimento de brasilienses, autóctones ou não, sobre a cidade e as suas evoluções. Ao mesmo tempo é um retrato formal e abstrato da cidade filtrado pelos nossos sentimentos enquanto realizadores.

4- De alguma forma, o Rua Cinema Nosso está devolvendo o seu filme para as ruas. Comente esta relação?

Camila ; Esse tipo de iniciativa se vê pouco em Brasília porquê alguém colocou na nossa cabeça que a rua não é lugar de gente e que cinema é dentro de shopping. Numa cidade onde quase tudo se passa indoors ou em espaços bem delimitados, onde o último cinema de rua resiste por um fio e em que o acesso a um cinema não necessariamente mainstream é tao específico (em todos os sentidos do termo, vide a localização do CCBB por exemplo), uma iniciativa como a do Rua mostra que Brasília pode e deve se reapropriar não somente das ruas como também do espaço de representação no cinema.

5- É o primeiro filme que você e Antoine d;Artemare assinam juntos?

Camila ; De asfalto é o nosso primeiro filme juntos como realizadores, dividimos a fotografia de dois curtas-metragens da Indira Dominici, outra brasiliense vivendo em Paris, que se chamam A lavanderia e Pétanque, ainda por serem lançados. Tanto eu quanto Antoine fizemos escolas de direção de fotografia e nos direcionamos para essa seara, o que nos aproxima. Em De asfalto, colocamos juntas a nossa pouca experiência em direção e levamos a cabo um projeto que passionava ambos, cada um à sua maneira. Antoine fez a direção de fotografia do filme, que aliás era um trabalho de fim de estudos para a La Fémis.

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