Diversão e Arte

Artista interpreta filósofa de lixão em peça do Festival Cena Contemporânea

Nahima Maciel
postado em 18/07/2012 08:00



Dani Barros é uma obstinada. Uma vez, quando criança, catou o telefone e ligou para a TV Globo. A recepcionista atendeu e a garota perguntou: ;Vocês têm vaga de atriz?;. Era lá pelos anos 1980 e de tanto ouvir o padrasto dizer que a colocaria na Globo, ela se apressou. Na mesma época, adorava brincar de Chacrinha. Fazia caras e bocas, imitava artistas e fingia apertar a mão dos jurados. Acabou fazendo televisão ; em 2006, em Minha nada mole vida, com Luís Fernando Guimarães ; e gostou. Mas é, no teatro, que Dani costuma sentir o que chama de ;potência; da interpretação.

Aos 39 anos, essa fluminense nascida em Petrópolis tem vontade de gritar, chorar, pular e correr, tudo ao mesmo tempo, quando se depara com um trabalho consistente. Por pouco, não vira a palhaça Leonora Prudência, mas com certeza retira de seu avatar de nariz vermelho boa parte da força necessária para apreciar e encarar o palco.

Estamira ; Beira do mundo é um divisor de águas na vida de Dani. A peça que integra a agenda de hoje do Cena Contemporânea (às 20h, no Teatro Eva Herz) surgiu como um caso de amor à primeira vista: no fundo, tudo parece óbvio, mas o impacto inicial derruba e planta certezas. Dani assistiu ao documentário homônimo de Marcos Prado quando foi lançado, em 2005, e nunca mais parou de pensar na filósofa do lixão do Jardim Gramacho, cheia de verdades e sentenças proferidas como um tapa na cara. ;Fiquei completamente arrebatada, apaixonadíssima. Achei aquela mulher muito forte, extremamente corajosa, guerreira. Era a possibilidade de poder falar de coisas que estavam engasgadas há muito tempo.;



Confira entrevista com a artista Dani Barros

Quanto tempo durou o processo de construção da peça e como foi a adaptação da personagem para o palco?

A gente levou nove meses, o tempo de uma gestação. Há muito tempo que falo de Estamira. É uma mulher incrível, que ficava no meio do lixo filosofando. Sentei para realmente fazer foi no final de 2009: corri atrás, ganhei patrocínio. Depois que saiu o patrocínio foram nove meses de ensaio com a Beatriz Sayada, a diretora: apresentávamos, chamávamos amigo para assistir, ouvíamos a resposta do público. Nesse diálogo fomos lapidando. Fizemos cinco apresentações antes de estrear, a gente não queria estrear de maneira virgem, com crítico e tudo te examinando, a gente quis deixar o trabalho mais firme, amadurecido. Uma das apresentações foi dentro do (Hospital Psiquiátrico) Pinel, que foi importantíssimo. Na Sociedade de Psicanálise também. Foi super importante essa troca com psicanalistas e psiquiatras.

Você conheceu a Estamira, esteve com ela?

Sim e isso foi fundamental para o processo de criação da peça. Foi fundamental ter ido conhecê-la, pedir a benção dela. E nessa primeira visita ela nos deu o fim da nossa peça, mais um presente enorme.

Estamira mudou sua vida, seu jeito de ver o mundo?

Cada coisa que a gente vai vivendo vai aprendendo outra forma de ver o mundo. Ela transformou minha forma de ver o mundo. Quando assisti ao filme foi um encontro muito grande, encontrei coisas que estava querendo dizer há muito tempo. O filme é muito forte, quando assisti fiquei chocada: o que é essa mulher falando dentro desse lixão, da falando da podridão, do lixo que nossa sociedade vive.

Como você se apropriou do jeito da Estamira e que aspectos dessa mulher te interessou captar?

Quem me dirigiu foi a Beatriz Sayad, mas costumo dizer que quem nos dirigiu foi a dona Estamira. Assisti muito ao filme, milhares de vezes. Queria me apropriar do jeito dela falar, das inflexões dela, as pausas, ela me inspira muito. Chegou uma hora que que tive que parar de assistir ao filme porque queria levar a minha forma de olhar a Estamira, a minha lente de aumento em cima dela. A peça é resultado disso.

Qual o lugar do cinema na sua vida? Já fez? É algo que gostaria de fazer?

Tenho muita vontade de fazer cinema, fiz O veneno da madrugada, fiz um filme do Euclydes Marinho, Mulheres sexo verdades mentiras, mas minha vontade é imensa. Volta e meia faço uma participação aqui, outra ali. Mas tenho muita vontade de fazer mais cinema.

Qual a distância entre cinema e o palco?

Nossa, que pergunta, não sei responder. Me sinto mais em casa no teatro e acho cinema uma arte incrível. Quando vou ao teatro e vejo uma peça muito boa eu nem sei, acho que fico louca. Um filme maravilhoso é incrível também, mas uma peça de teatro boa é algo de uma potência porque é ao vivo, me atravessa, fico querendo mudar o mundo, correr, gritar, fico ensandecida quando assisto a um trabalho muito bom. A coisa ao vivo tem um poder transformador muito potente.

Foram 12 anos trabalhando como a palhaça Leonora Prudência.Onde ela está agora? Ela surge de vez em quando?

Minha palhaça vai sempre pAra onde eu vou. Acho que uma coisa alimenta a outra. Em Estamira quem é palhaço vai perceber muita coisa do palhaço. A Estamira é um bufão. Aquela mulher no meio do lixo, com aquela podridão toda em volta, e ela mandando o dedo na ferida, dando tapas na nossa cara, falando a verdade de uma forma muito contundente. A linguagem do bufão passa por aí. Ser palhaça é uma forma de ver o mundo. Eu acho que tenho uma forma de ver o mundo com minha lente de palhaça, é uma coisa que não separo, embora muitas vezes não esteja usando o nariz o palhaço. A Estamira é assim não tem a menor preocupação de entrar sem maquiagem em cena, de se expor, de babar, de gritar e de revelar o que se tem de mais tosco.

Acha que o trabalho como palhaça é alvo de preconceito nos palcos brasileiros?

Acho que é visto com preconceito por quem não tem muita informação sobre esse trabalho. O trabalho do palhaço cresceu muito no Brasil. O Anjos do Picadeiro é um evento que acontece todo ano lá no Rio, o Teatro de Anônimos chama vários palhaços, tem essa troca, esse intercâmbio de artistas. Tinha uma época que não se tinha muita informação, quando comecei a trabalhar no hospital não tinha tantos palhaços assim. Comecei com 22 anos. Houve um boom e a coisa popularizou, hoje tem o FestClown. O preconceito vem de pessoas que não têm muita informação sobre essa linguagem que é incrível. Você entra em cena com o que você é, o teu ridículo ali na cara e é o que você expõe, é o que você tem de mais precioso.

Qual a importância da pesquisa no teu trabalho?

A pesquisa é muito importante. Cada vez que entro num trabalho procuro assistir coisas que tenham a ver, assistir filmes que tenham a ver, você ganha mais camadas. Se não estudar você fica na superficialidade. Mais você estuda mais você ganha camadas. Isso para mim. Tem gente que não estuda e é maravilhoso, tem todas as camadas. Cada um sabe de si. Para mim é importante o estudo, é a forma de poder ir colocando outras camadas.

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