Nos últimos tempos, o Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul) foi alvo de um boato disseminado pelas redes sociais. Segundo a notícia vastamente compartilhada, o centro cultural seria incorporado pelo Ministério do Trabalho para sediar cursos sobre economia criativa. Por meio de nota, a Secretaria de Cultura do Distrito Federal explicou que na verdade existe uma proposta de convênio firmado com o Ministério da Cultura (Minc) para incorporação do DF no projeto Birô Criativo, espécie de escritório com a função de orientar artistas dispostos a escoar projetos culturais.
;A pessoa que soltou esse boato nas redes sociais é um irresponsável é deveria responder judicialmente. Estamos nos alinhando a uma política cultural nacional com a implantação do Birô na 508 Sul, mas o projeto ainda é embrionário;, respondeu indignado o subsecretário do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, José Delvinei. O convênio deve ser assinado até as eleições municipais de outubro mas ainda não tem uma data para acontecer.
Leia o relato da leitora Manoela dos Anjos Afonso sobre o Espaço Cultural
Prezados,
Conheci o Espaço Cultural 508 Sul em 2003, um pouco depois da minha chegada à Brasília, em meados de outubro. Ao rememorar aquele período, posso afirmar tranquilamente que o que me fez voltar ao Espaço foi a acolhida que recebi na Biblioteca de Artes de Brasília (Ethel de Oliveira Dornas) que, até onde eu sei, está apenas emprestada ;temporariamente; (há anos) à 508. Gostaria de reforçar que não foi o acervo, nem os equipamentos (precários), nem a estrutura física da Biblioteca que me fizeram regressar aos seus espaços. O que me levou a andar por ali novamente foi o ambiente de partilha cultivado naquele lugar ; que para mim era o coração do Espaço Cultural 508 Sul naquele momento. Enquanto do lado de fora da Biblioteca eu me deparava com espaços vazios, tristes, monitorados, sem vida e sem possibilidade de convívio (pois até os bancos do térreo do Espaço Cultural foram retirados para evitar que pessoas ficassem ;ociosas; ali), do lado de dentro, entre as paredes de vidro da Biblioteca, havia luz, som, mesas com cadeiras, conversas, partilhas de planos-projetos-ideias, cheiros, trocas, construção de pertencimentos e, também, livros sobre arte, música, teatro, dança, filosofia, enfim. A grande responsável pela catalisação da energia produtiva de jovens e adultos que adentravam os espaços - primeiro da 508 e, depois, da Biblioteca, era (e ainda é) Margareth Ribeiro Moura, a bibliotecária responsável por este espaço de leitura, consulta e partilha. Ao observar tais fatos hoje, já com seis anos de distanciamento, saltam-me à memória ; escandalosamente ; as formas opressoras e equivocadas de gestão adotadas neste espaço naquele período. Historicamente, a 508 ; antigo Teatro Galpão - foi um lugar onde a juventude local pôde exercitar coletivamente seus anseios por invenção, ruptura, contestação, criação. Sinceramente, durante os três anos em que estive presente neste espaço, seja como público, usuária, artista, propositora de exposições ou de outros projetos, não posso negar que sempre fui tratada com respeito pelos gestores deste período, porém posso afirmar que não pude perceber um traço mais vigoroso de uma política pública coesa e pensada especialmente para este espaço. Não percebi um movimento mais intenso de abertura consciente, planejada e necessária a este espaço destinado à arte e à cultura. Muito pelo contrário: o que presenciei foram seguranças que passaram a andar armados; aberturas de exposições que passaram a ter acesso controlado; acervo da Gibiteca que passou por um censor portador de critérios de análise duvidosos, o qual acabou prejudicando a integridade da coleção. Além disso, o espaço comumente encontrava-se fechado nos finais de semana, mesmo que os jornais e agendas culturais de Brasília divulgassem que ele estaria em funcionamento. As descontinuidades das gestões dos espaços culturais e o (mau) hábito da indicação de cargos a profissionais sem competência para assumi-los, a meu ver, são os principais agravantes do processo de fragilização da construção, afirmação e registro da história destes espaços. E; um espaço sem história pode virar um anexo de qualquer departamento da máquina burocrática, a qualquer momento: a transformação da 508 em escritórios de não sei quais departamentos é um boato que se ouve no Espaço Cultural há anos.A 508 possui um importante papel no que diz respeito à construção histórica do cenário cultural brasiliense, pois vem reunindo - desde a fundação do Teatro Galpão - públicos tanto do Plano Piloto quanto das Satélites e Entorno. Este é um espaço-chave para o fomento da produção artística em Brasília, pois historicamente vem tentando oferecer ; às vezes aos trancos e barrancos - formação artístico-cultural acessível a qualquer pessoa, independentemente de seu nível sócio-econômico. Quando realizei o projeto de revitalização do ateliê de gravura do Espaço Cultural 508 Sul (com o apoio do FAC), detive-me por um tempo na pesquisa da história do Espaço. Fui ao Arquivo Público, à Secretaria de Cultura, ao DePHA... mas foi também vasculhando o próprio lixo da 508 que eu pude encontrar alguns documentos úteis à minha pesquisa: encontrei originais e algumas cópias heliográficas do projeto de reforma do prédio, além da cópia do termo de doação da prensa de gravura da artista Fayga Ostrower ao Espaço Cultural e uma cópia do regimento do Espaço Cultural vigente nos anos 1990. Creio que o próximo passo seja exigir da Secretaria de Cultura do GDF e das demais autoridades competentes que proponham e discutam seriamente diretrizes de uma política cultural desenhada especialmente para este espaço, convidando gestores, artistas, usuários e demais interassados para um debate. É chegado o momento de falar claramente sobre o destino deste espaço. Um espaço como este, fundante da cena artístico-cultural brasiliense, não pode deixar de existir.
Atenciosamente,
Manoela dos Anjos Afonso, professora universitária