postado em 18/07/2012 13:14
O público que conferiu, na terça-feira (17/7), a abertura do Festival Cena Contemporânea com o espetáculo Estamira - Beira do Mundo só parou de aplaudir ao final porque a coisa já começava a ficar sem jeito. A assombrosa caracterização da atriz fluminense Dani Barros, com singelo olhar para Dona Estamira, traz a certeza de que, quando bem feito, o teatro é das experiências artísticas mais incríveis. O espetáculo, que faz imperdível última apresentação nesta quarta-feira (18/7) no Teatro Eva Herz, em Brasília, é baseado na personagem já retratada em documentário de Marcos Prado. Estamira (2005), o filme, revela a personagem homônima, paciente psiquiátrica que trabalhava no lixão do Jardim Gramacho.
Composição marcada com trejeitos e modo de falar peculiares aos devaneios da personagem dialoga surpreendentemente com os momentos em que a atriz troca experiências pessoais com o público.
No começo da encenação, ela avisa que está ali para "revelar a verdade". É mesmo a melhor palavra para caracterizar a experiência cênica que se dá ali. A troca entre atriz e público, no mais transformador sentido do termo, é concreta em Estamira.
E embora seja possível categorizar e nomear as técnicas que a atriz desenvolve com maestria, o êxito da peça tem um quê de intangível, de sensibilidade, de abstrato. É como ela diz a uma certa altura: "A ciência pode classificar e nomear cada um dos órgãos de um sabiá, mas não o encantamento de um sabiá".
Em entrevista à repórter Nahima Maciel, do Diversão, Dani Barros disse que é no teatro que costuma sentir o que chama de "potência" da interpretação. A arte, de fato, agiganta a mirradinha atriz de 39 anos. Entre as sacolas que enchem a caixa cênica, ela dispara delírios que são puro lirismo, em ritmos avassaladores de dramaturgia e interpretação.
As transições entre os comentários de Dani e os devaneios de Estamira são homenagem ao teatro e à personagem retratada. Dani arrisca e coloca em cena questões particulares e familiares intensas. O que poderia ser mais um clichê da contemporaneidade - atores contando suas vidas no palco - se transforma em experiência verdadeiramente radical. A loucura é encarada com respeito sem perder o humor, fazendo de Estamira uma delicada surpresa.
PS:
O Festival Cena Contemporânea pode fazer mais justiça ao nome que carrega. Spots intermináveis que desfilam os nomes dos patrocinadores são necessários, a gente entende. Mas fazem mais sentido quando há uma cortina fechada e o público ainda está desconcentrado.
Em encenações como Estamira - Beira do mundo, atores e encenadores já pretendem criar atmosfera mais ou menos imersiva na chegada do público. Interromper esse processo para a entrada de um spot é frustrante.
Boa ideia pode ser colocar um aparelho de som com o áudio, do lado de fora do teatro. Ainda na fila, o público pode ser informado dos patrocinadores e realizadores do festival. Público entra e, uma vez lá dentro, é só Estamira. O teatro contemporâneo agradece.