postado em 05/08/2012 11:19
;Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer.; Os versos que abrem a estreia fonográfica de Caetano Veloso, de 1967, insinuam uma inquietação que persegue o artista por toda a sua trajetória. Será que ele, ao se olhar no espelho com 70 anos, diria que conseguiu ser tudo o que quis? Sua resposta, certamente, seria não, mesmo que Caê tenha sido muitos, vários, ao mesmo tempo e em tempos diferentes. E, incansável, ainda é. A explicação para a negativa é que sua alma de adolescente, sempre em busca da adrenalina que ronda as primeiras descobertas, não deixou que seu ;coração de criança; sossegasse.A figura de camaleão cabe bem ao nosso baiano de fina estampa, nascido em Santo Amaro da Purificação, discípulo de João Gilberto e irmão de Maria Bethânia, e que completa sete décadas de vida nesta terça-feira. É difícil pensar em algum gênero que ele não tenha cruzado e em alguma influência que não tenha sido incorporada a seu som. Caetano Emanuel Viana Telles Veloso veste com gosto a indumentária de paladino da música universal e não tem pudores em se arriscar. Tornar-se um roqueiro de cabelos brancos é uma prova disso. Brincar com os modismos dos timbres eletrônicos também. O espírito jovem lhe é tão íntimo que ele deve passar o 7 de agosto criando, em estúdio.
O argonauta
Caetano tem um quê de superbacana desde que o samba é samba. É argonauta, narciso, transcendental, neolítico, épico, índio e vampiro: um objeto não-identificado. Ser estrangeiro e muito romântico; é beleza pura. Nele, Jimi Hendrix e Cinema Novo se misturam e fazem um baião atemporal. Caê é ateu e vê milagres, é uns e outro. Em outras palavras, é qualquer coisa.
As múltiplas facetas do músico podem ser resumidas em uma só: a tropicalista. Para entender as raízes do movimento que ele ajudou a erguer ao lado do parceiro Gilberto Gil, e pelo qual navegou em todo o seu trajeto, é preciso voltar ao ano de 1967. Foi no 3; Festival da Record que os dois baianos deflagraram uma nova proposta estética que buscava aproximar a canção brasileira do som que alvorecia no mundo. Fundir era questão de ordem. A canção Alegria, alegria dava vazão a inquietações que Caetano Veloso trazia consigo desde a adolescência.
Para ele, aquela marcha acentuada por guitarras nada mais era do que uma versão abrasileirada da música pop que se fazia lá fora. A letra, com descrições cinematográficas, citava elementos da cultura de massa, como a Coca-Cola e Brigitte Bardot. Afinal, tais elementos não faziam parte de nossa cultura também? O que havia de tão mal assim no som da jovem guarda de Roberto e Erasmo Carlos que a turma nacionalista execrava? Por que as guitarras elétricas não poderiam adornar nossas canções? Na guerra entre o iê-iê-iê e a MPB, a Tropicália surgiu como uma terceira ; e definitiva ; via.