Diversão e Arte

No ano do centenário de Nelson Rodrigues, Correio revive visita a Brasília

José Carlos Vieira, Severino Francisco
postado em 19/08/2012 12:21


Nelson Rodrigues abominava viagens e, para ele, o bairro suburbano do Méier, no Rio de Janeiro, já era exterior: ;Nunca viajo, pois a partir do Méier sinto saudades do Brasil;. Por isso, foi uma surpresa quando aceitou vir a Brasília de carro assistir à inauguração da cidade, em 21 de abril de 1960. Para os detratores, instalados na Cidade Maravilhosa, era uma viagem ao fim do mundo, pois Brasília era um imenso canteiro de obras em estado de esqueleto, varrido por redemoinhos de poeira vermelha. Com sua intuição fulminante e seu instinto de profeta do óbvio, Nelson escreveu uma crônica memorável, em defesa da nova capital, significativamente intitulada A derrota dos cretinos; finalmente publicada em livro(leia mais na página 4). ;Essa sim, é a primeira missa do Brasil!”, sentenciou o profeta do óbvio. Na passagem dos 100 anos do jornalista, cronista e dramaturgo retomamos a conexão pouco conhecida e preciosa de Nelson com Brasília.

Ele só esteve na capital modernista uma única e escassa vez. Apesar disso, ficou fundamente tocado pela ideia da cidade épica, erguida no meio dos sertões, para libertar o Brasil da condição de país vira-lata, em face de si próprio e do mundo. Não chegou a fazer campanha pela cidade, mas desferiu petardos brilhantes de franco-atirador em crônicas e em obras de ficção. Veio em um comboio com os militares do CPOR (Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva) com o filho mais velho, Jofre: ;Que experiência densa, apaixonante, viajar, não num jato, mas em três briosas carroças encantadas. Conhecemos então essa coisa comovente que é a estrada Belo Horizonte-Brasília que não para, não cansa, que assombra com seu asfalto intermitável e épico;.

Confira trecho da entrevista imaginária com Nelson Rodrigues

" Só os imbecis têm medo do ridículo;

O senhor se importa de conceder uma entrevista imaginária?
Não, pelo contrário. Como se sabe, nada mais falso do que a entrevista verdadeira. O entrevistado só diz o que pensa, o que sabe, o que sente, em uma entrevista inventada. E, principalmente, depois de morto.

Qual o impacto que teve o fato de ter ingressado em jornal aos 13 anos de idade para trabalhar na editoria de Polícia?
Três anos em uma editoria de polícia de um jornal pode formar um Balzac. A verdade é que do homicídio ao furto de galinha ; a crônica policial tem suas raízes nas grandes paixões humanas, nos problemas eternos do homem. Quando o repórter apura a ;Tragédia em Copacabana; ; está diante de uma Anna Karenina. E, então, pergunto: por que negar o valor dramático de um simples atropelamento?

O fato de a sua família ter empobrecido o afetou na infância?
Eu levava banana de lanche e ficava muito orgulhoso. Até que um garoto puxou um sanduíche de ovo que humilhou e liquidou a minha banana. Aliás, essa cena iria se repetir por todo o meu curso, porque meu pai era pobre. Pão e manteiga, isso pra mim, era coisa oriental das Mil e uma noites.

Quando descobriu que tinha talento para escrever?
Na Escola Prudente de Morais, na Tijuca, quando eu tinha 7 anos, escrevi o primeiro episódio de A vida como ela é; Houve um concurso de composição na aula. Ganhamos eu e um outro garoto. Ele escreveu sobre um rajá que passeava montado em um elefante e eu escrevi a história de um adultério que terminou com o marido esfaqueando a adúltera. Começava assim: ;A madrugada raiava sanguínea e fresca; (risos). Foi meu primeiro plágio, é um verso do poeta maranhense Raimundo Correia (risos).

A coluna A vida como ela é; cumpriu o seu papel?
A vida como ela é; se tornou justamente útil pela sua tristeza ininterrupta e vital. Uma pessoa que só tenha do mundo uma visão unilateral e rósea, e que ignore a face negra da vida, é uma pessoa mutilada. Precisamos ter continuamente a consciência, o sentimento, a constatação dessa dor. Sei que nenhum de nós gosta de se aborrecer. Mais importante, porém, que o nosso frívolo conforto, que o nosso alvar egoísmo ; é o dever de participar do sofrimentos dos outros. Há uma leviandade atroz na alegria!

Seu ritmo de produção é intenso, além da seção diária de A vida como ela é;, o senhor escreve peças e colunas esportivas para Última Hora, Jornal dos Sports e Manchete Esportiva;
Trabalho mais que um remador de Ben-Hur (clássico com Charlton Heston).

Alguns críticos atacam suas peças como obras pervertidas, de baixo nível. O senhor concorda?
Minhas peças são obras morais. Deveriam ser encenadas na escola primária e nos seminários.

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