Diversão e Arte

Artista plástico Ralph Gehre cultiva a coragem de continuar produzindo

Nahima Maciel
postado em 09/09/2012 10:06
O título que Ralph Gehre encontrou para sua exposição individual em cartaz na Referência Galeria de Arte diz muito sobre como o artista enxerga o mundo contemporâneo. Grite o quanto quiser, ninguém poderá ouvi-lo trata de estética, mas também de comunicação em uma sociedade cada vez mais voltada para a tecnologia e cada vez menos preocupada com o mundo presencial."Vivemos ameaçados por uma transformação", acredita o artista, que na infância cultivava um medo pavoroso do ano 2000 porque ouvira que o mundo acabaria na virada do século. A um mês de completar 60 anos, Ralph hoje tem outros medos, mas prefere cultivar a coragem de continuar produzindo. Nascido em Três Lagoas (MS), cidade à beira rio com não mais que 30 mil habitantes, o artista chegou a Brasília aos 10 anos, trazido pelos pais, dos quais obteve, felizmente, muita "autorização" para experimentar a vida conforme lhe convinha.

Seus desenhos são feitos de infinitas repetições, nas quais você tenta ser mecanicamente aleatório. É um trabalho obsessivo?
Total. As sequências, as ordenações, os pontinhos, os quadrinhos, as letrinhas, é muito difícil. Uma ideia importante é tentar fazer de novo a mesma coisa. Mas é impossível. Vou fazer 4 mil quadradinhos. Vou errar no oitavo. É uma obsessão. Faço muitas horas, mas muitas horas não é suficiente. É muito cansativo, me dá enjoo, fico fisicamente perturbado. Mas a própria ideia da dificuldade de fazer uma coisa tão simples tem uma riqueza naquilo. Gera um registro que é valioso.

Por que a simplicidade é rica?
Porque ela acaba incluindo o desconhecido, o acaso, o imprevisto, que é o que insere qualidades no projeto. O projeto quer ser rígido, mas não consegue, por isso acaba sendo um registro que é sempre vocabular, de uma escrita, de uma carta.

Você chegou a Brasília criança, em 1962, e acompanhou o crescimento da cidade e da cena artística. Quais foram os piores momentos?
Anos 1990, a entrada do Collor. Foi dramático. A década de 1980 foi valiosa e a estrutura da Funarte muito significativa. Mas ela foi desmontada. Na infância, a opressão da ditadura. Nos dias da ditadura, Brasília ficou sem telefone, sem comunicação. Vimos os tanques na rua aqui. Em 1968, pesou a barra, minhas irmãs estavam na UnB, então eu vi o desespero delas no dia em que a UnB foi invadida, o dia em que jogaram bomba na Thomas Jefferson, o dia em que correram atrás dos estudantes na W3. Esse momento foi muito dramático. Na UnB ; entrei em 1972 ; não à toa construímos uma vida libertária na conduta, na sexualidade, no acesso às drogas, no jeito de ver a vida.

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