Diversão e Arte

Movimento beat ajudou a deixar a sociedade mais moderna, diz Claudio Willer

O poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer realiza palestra e autografa o livro sobre a geração beatnik, no Sebinho, na próxima terça-feira, às 18h30

Severino Francisco, José Carlos Vieira
postado em 29/09/2012 08:02
O poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer realiza palestra e autografa o livro sobre a geração beatnik, no Sebinho, na próxima terça-feira, às 18h30

O primeiro contato de Claudio Willer com a literatura beat se deu com a leitura de On the road (Na estrada) e The dharma bums (Os vagabundos iluminados). Mas o impacto definitivo ocorreu quando o poeta Roberto Piva lhe entregou uma pilha de obras da literatura beat. Ficou fascinado pelo espírito de aventura, a maneira audaciosa de misturar literatura e vida, a busca do êxtase e a liberdade de imaginação no ritmo das improvisações do jazz. É autor de Geração beat ; Poesia e rebelião (Ed. L Pocket), que será autografado na terça-feira, no Sebinho (406 Norte, comercial). Em seguida, ele fará palestra sobre o tema do livro, mediada por Adeilton Lima, inaugurando o projeto O Sebinho convida: da palavra ao verso. Willer é doutor em letras pela USP e traduziu, entre outras, obras de Lautreamont e Allen Ginsberg. Nesta entrevista para o Pensar, o escritor sustenta que o legado de rebeldia da geração beat permanece vivo na busca de uma literatura libertária, na liberdade sexual e no multiculturalismo.

A literatura beat é uma subliteratura?
Desqualificar a literatura beat é coisa de críticos reacionários, incomodados com aquilo que obras de Kerouac, Ginsberg, Snyder, McClure, di Prima, etc, têm de subversivo. Em especial, On the road, de Jack Kerouac, a narrativa mais influente da segunda metade do século 20, que não só mudou a vida de pessoas (Bob Dylan, por exemplo, saiu de casa após lê-lo), mas teve um sentido coletivo, ao desencadear, com Uivo de Allen Ginsberg, a Geração Beat. Foi a obra mais atacada, desde seu lançamento em 1957, até hoje. Recentemente, por exemplo, em uma aula aberta de Yale, uma professora importante declarou serem Cassady e Kerouac estereótipos de homens ;brutos, naturalizados;, que queriam liberar seus desejos sexuais, por meio de uma aventura ;vazia e sem sentido;. Inumeráveis críticos ecoam. Diante disso, é preciso resgatar suas qualidades especificamente literárias, a começar, em Kerouac, pela copiosa prosa poética, e sua substância filosófica, que vai muito além da apologia da libertinagem. E ler o restante da obra colossal dele e dos demais beats. Pegue, por exemplo, uma antologia recente, Poesia beat, organizada por Sergio Cohn, publicada pela Azougue: a qualidade salta aos olhos.

Quem são os precursores reconhecidos ou não da literatura beat? Walt Whitman? Jean-Arthur Rimbaud? Baudelaire? Louis Ferdinand Céline?
E William Blake. Mas ele e outros autores que você cita ; Whitman, Rimbaud, Baudelaire ; são universais. Influenciaram tudo, a beat e o restante. É forte a influência de românticos ; Gregory Corso idolatrava Shelley, fez que o enterrassem em Roma ao lado do túmulo do poeta inglês. E de formalistas: Ezra Pound e dois de seus seguidores, William Carlos Williams, mentor de Ginsberg, e Charles Olson, cultuado por Michael McClure. E muito mais. Kerouac e amigos faziam leituras em voz alta de Ulisses e Finnegan;s Wake de James Joyce, para captar a prosódia. Viajavam com um volume de Proust, como foi mostrado no filme de Walter Salles, Na estrada.

Há uma leitura talvez rasa segundo a qual os autores da literatura beat eram pouco letrados. Isso procede?
Basta lê-los! O tempo todo, comentam suas leituras. Kerouac, nos diários e em Anjos da desolação: ;Histórias de dor! De repente estou escrevendo como Céline;. Etc. Mais importante que os comentários é o intertexto: reescreveram e recriaram o que leram. Em todos eles, constantemente, se observa o diálogo criativo com outros autores.

Parece que Charles Bukovski não gostava de ser ligado à literatura beat. Como avalia as relações dele com o movimento?
Bukovski reconheceu a importância de Ginsberg, e da beat em geral, em Pedaços de um caderno manchado de vinho. Mas, naquela altura, os beats eram celebridades, e Bukowski fazia questão de ser a margem da margem, o rebelde perante a rebelião. Beat, já convertida em beatniks e em contracultura, era algo coletivo demais para ele, individualista radical: ;Eu era um movimento de protesto, sozinho;, escreveu. Ademais, religiosidade e misticismo, fortes em Ginsberg, Kerouac ou Snyder, eram algo ausente de seu interesse ou sensibilidade.

Como avalia a importância do jazz para a literatura beat?
Como decisiva. Aos 17 anos, em 1939, Kerouac ia ao Minton;s, ao Harlem, via o bop nascer e entrevistava Dizzy Gillespie para o jornal do curso preparatório que estava fazendo. Caso particular de sua enorme sensibilidade auditiva. Beats sabiam ouvir ; incorporaram à sua poesia a riqueza da língua falada, da fala das ruas, da música em geral e do jazz em especial, assim como das expressões orais de culturas arcaicas, cantos tribais e mantras. Ginsberg, em um dado momento, tornou-se um dublê de poeta e músico. A parceria com Bob Dylan não foi circunstancial. Mas seus modos de expressão musical prediletos eram a balada country (gravou discos) e o punk rock (participou de turnês com The Clash de Joe Strummer). McClure apresentou-se com The Band, etc.

Qual a dimensão que teve o poema Uivo para a afirmação da poesia beat?
A geração beat já havia sido divulgada por meio da narrativa Go, de John Clellon Holmes, de 1952. Mas o poema Uivo, de Ginsberg, lido em 1955, publicado logo a seguir por Ferlinghetti, teve um impacto colossal. Como declarou Kenneth Rexroth: ;Quando Allen leu Howl, foi como se o céu caísse sobre nossas cabeças. Um efeito inimaginável. Pois, seguramente, ele dizia tudo o que aquele público desejaria ouvir, e dizia isso na linguagem deles, rompendo radicalmente com o estilo estabelecido.; É um poema messiânico, plataforma de uma rebelião. Anuncia que marginais transformarão o mundo; que ;o vagabundo louco e beat angelical no tempo, desconhecido, mas, mesmo assim, deixando aqui o que houver para ser dito no tempo após a morte; iria ;recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana;. O impacto ampliou-se com a tentativa de censura, o processo contra a circulação do livro, impulsionando suas vendas para centenas de milhares de exemplares e, logo, para milhões.

Quem são os representantes da literatura beat no Brasil?
Talvez a enumeração seja demasiado extensa. Há muitos. Nenhum, porém, como destaco em meu livro Geração Beat, equivalente ao poeta Roberto Piva. Mundialmente, ninguém fez uma loucura equivalente à que ele cometeu: em Paranoia, de 1963, apropriou-se de trechos de Ginsberg e Corso, reescreveu-os de modo pessoal, criativo, surreal. Adicionou. E fez o mesmo, também com McClure, Snyder, Burroughs, Kerouac e outros, em seus livros subseqüentes. Amigos de Piva constituíram-se em confraria fascinada pela beat: Roberto Bicelli, Raul Fiker, Maninha Cavalcante, Toninho Mendes, eu e outros, conforme bem documentado no recente livro Os dentes da memória: Piva, Willer, Bicelli e uma trajetória paulista da poesia, de Renata D;Elia e Camila Hungria (editora Azougue). Citaria outros: Antonio Bivar, Eduardo Bueno, Luís Carlos Maciel, etc. Destaco, por volta de 1995, Sergio Cohn e amigos, ao criarem a Azougue, porem-se a traduzir e publicar autores beat. Cohn faz isso até hoje, e há marcas da poesia beat em sua criação. Dos novos, o bom poeta carioca Augusto de Guimarães Cavalcanti. Ademir Assunção apresenta-se como leitor da beat. Claro que o inventário seria extenso, haveria muito mais a ser citado ; quem sabe, o impacto maior tenha sido social, refletindo-se na vida, no comportamento.

Qual a impacto da literatura beat no Brasil? Ela formou escritores à altura da matriz? Qual o principal legado da literatura beat?

Já relatei o caso de Roberto Piva ; foi o melhor. No geral, a qualidade de contemporâneos brasileiros é um assunto que prefiro discutir daqui a uns 50 anos ; na devida perspectiva...

Quais as conexões e as diferenças que estabelece entre a poesia beat e a Poesia Marginal?
Chacal, poeta da Poesia Marginal e do grupo Nuvem Cigana, comentou recentemente ; após minha palestra sobre beat e Ginsberg na Livraria Travessa, no Rio ; que os beats eram algo forte, influente para eles, mas que tinham pouco acesso às obras. No meu Geração beat, observo a enorme influência da contracultura, por sua vez decorrente da beat, na tropicália e outros movimentos, mas esse já é um ciclo ou etapa seguinte.

Essa dimensão de contestação radical colocada pela literatura beat se perdeu? A literatura ficou muito bem comportada na pós-modernidade?
Não, de jeito nenhum. Muito da contribuição da beat e da contracultura incorporou-se às sociedades mais modernas, tornando-as mais abertas. Principalmente, o recuo da censura (que, contudo, a toda hora tenta voltar). Você nem imagina como era por volta de 1960. Assuntos que hoje são tema de um debate amplo ; vida sexual, respeito à diversidade, valorização do multiculturalismo, defesa do meio ambiente ; naquela época eram minoritários, vistos como excentricidade ; inclusive nos setores à esquerda, que se apresentavam como progressistas. Quanto ao crescimento atual de um neoconservadorismo, acredito que refluirá, que se esgotará por seu vazio de propostas.

O senhor já realizou várias performances em Brasília.Qual a visão que tem da cidade?
Estive em Brasília uma quantidade de vezes, perdi a conta de quantas. As primeiras, na década de 1960, com a cidade ainda em construção. Em duas das ocasiões, escrevi poemas. Espero que isso volte a acontecer. Já me apresentei aqui como poeta , mas esta, desta vez, vai ser a apresentação mais importante.

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