A invenção não depende de fórmula de laboratório. Com pouco dinheiro, cineastas que encaram a feitura de produções de cinema ; uma arte industrial por excelência; extrapolam aquilo que se chama de vontade artística para produzir filmes mesmo sem patrocínio. De 23 a 25 de outubro, a Caixa cultural a exibe 12 exemplares realizados com custos mínimos. Todos os 12 curtas-metragens selecionados custaram menos de R$ 20 mil. "Nós queríamos fazer um festival com tudo que acontece em festivais. Por isso, haverá premiação em dinheiro, homenagens, palestras e cursos", explica Kacau Rodrigues, diretora do certame. O vencedor de melhor filme, eleito pelo júri oficial, levará um prêmio de R$ 10 mil. O favorito na opinão do júri popular ficará com um prêmio de R$ 8 mil. É mais do que o custo de muitos dos filmes participantes.
Vencedor do troféu Candango de melhor curta-metragem da Mostra Brasília com o curta-metragem Meu amigo Nietzsche, o cineasta Fáuston da Silva apresenta o documentário Rua da paz, sobre uma localidade no Itapõa excluída e estigmatizada. "Esta rua ficou conhecida como rua da morte quando num dado momento cinco pessoas foram assassinadas nela. Era uma denominação dada pela mídia mas o nome ficou e acabou sendo seu estigma. Os moradores da rua não são assassinos, são trabalhadores, estudantes; ", esclarece Silva. "A mídia mostra a exceção e não a regra. Não é que ela crie estigmas mas os potencializa. Não queríamos fazer um filme maniqueísta. A intenção é mostrar todas as vertentes do problema", esclarece o diretor.
O céu não é o limite para a imaginação de alguns cineastas com pouca grana. O brasiliense Péterson Paim acumula 27 produções no currículo entre curtas-metragens e longas. Nunca ganhou um edital. Mesmo assim, não desiste da vontade de se expressar por meio do cinema. Na Mostra, exibirá o sci-fi ao custo de R$ 1 mil, Alienados uma metáfora política embaralhando o novo código florestal e a visita de Ets a Brasília. "Não precisou de muita coisa porque os monumentos de Brasília são como construções aliens. O figurino deu mais trabalho mas, por sorte, eu aproveitei muita fantasia que eu já tinha", ensina para quem estiver com vontade de também se aventurar no mundo da ficção científica barata.
O Brasil que luta
Cineastas do país enfrentam histórias parecidas de superação de entraves. Às vezes, um filme de baixo orçamento é produzido como em uma espécie de atitude provocadora. O representante de Sergipe, Derredor, de André Aragão não chegou a custar nem R$ 200. O único apoio governalmental que a produção recebeu veio da prefeitura de Rosário do Catete, no interior do estado. "Eles nos deram alimentação. Conseguimos alguns outros apoios", resume o diretor. "A cena cinematográfica em Sergipe ainda é muito tímida e não existem ações do governo no sentido de apoiar a produção. É preciso insistir para melhorar a situação", acredita Aragão.
Outras vezes, o B.O é encarada como uma ferramenta criativa. O cineasta Cássio Pereira dos Santos já participou de mostras e festivais com filmes feitos com a ajuda de editais, Cidade vazia e A menina-espantalho, são alguns dos títulos que assinou. Passando um período na cidade natal, Cruzeiro da Fortaleza (MG), Pereira dos Santos sentiu que poderia encarar a filmagem de uma história simples, produzida de um jeito ainda mais simples, desde que pudesse contá-la à sua maneira. "Eu nunca havia operado a câmera em nenhum dos meus filmes e isso foi um desafio. Pude experimentar bastante já que não estava sendo pressionado", salienta o diretor. A mulher no alto do morro definido pelo autor como "uma viagem em que a câmera se propõe a registrar encontros, mais que contar uma história" tinha apenas dois integrantes na equipe: o diretor e sua mãe, a artista plástica Marisa Santos.
A mostra recupera, com justiça, a figura do cineasta bombeiro, Afonso Brazza, morto em 2003 e pai de todos os cineastas B.O da capital com a exibição na quinta-feira do longa-metragem Tortura selvagem ; A grade. O detentor da obra de Brazza, o produtor Pedro Lacerda liberou a exibição do filme por um preço simbólico, abaixo do mercado. No elenco da produção estão os músicos Digão e Rodolfo, ex vocalista dos Raimundos.
BARATOS E FAMOSOS
Alguns clássicos da cinematografia mundial ou fênomenos de bilheteria são filmes de baixo orçamento. O primeiro Rocky ; Um lutador (1976) custou menos de 1 milhão de dólares. Uma mixaria para os padrões do cinema norte-americano. O bom desempenho do boxeador Rocky Balboa nos ringues e nas bilheterias arrecadaram 172 milhões, apenas nos Estados Unidos. Evidentemente, os outros filmes da série puderam ser feitos com orçamento bem mais alto. Agora, é de assustar mesmo o desempenho do terror A bruxa de Blair. Lançado em 1999, o filme arrecadou 249 milhões nas bilheterias mundiais. Os produtores do filme Daniel Myrick e Eduardo Sánchez gastaram apenas US$ 60 mil.
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