postado em 25/11/2012 13:01
A ditadura sufocava o Brasil em meados da década de 1970, quando um grupo decidiu lutar contra a situação imposta pelo governo militar. Apolônio de Jesus e Antonio Carlos dos Santos, mais conhecido como Vovô do Ilê, juntaram um grupo de amigos, no bairro baiano da Liberdade, para enfrentar o racismo com o primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê. Em entrevista ao Correio, Vovô do Ilê, atual diretor-presidente do bloco carnavalesco e um dos precursores da soul music no país, nos tempos do Black Bahia, fala da repressão sofrida pelo bloco durante o regime dos generais.
Quando e como surgiu o bloco afro Ilê Aiyê?
O Ilê foi criado em 1974, por mim e pelo falecido Apolônio (de Jesus). Nós queríamos combater o racismo no carnaval, aqui do bairro da Liberdade (o maior bairro negro da cidade). Antes, o negro só saía no carnaval carregando alegoria e resolvemos criar um bloco em que só negros participassem. Foi uma época muito forte da ditadura no Brasil. Qualquer tipo de movimentação e você já era tachado como comunista. E não foi diferente com a gente: fomos perseguidos pela polícia. O pessoal achava que queríamos tomar o poder. Momentos difíceis. Muita gente não quis sair no bloco, as famílias não deixavam com receio. Só conseguimos sair com 100 pessoas no primeiro ano. Não tínhamos instrumentos, nada. Até o terceiro ano do bloco desfilamos vigiados pela polícia.
[SAIBAMAIS] Como era a situação de ser acompanhado pela polícia? Já teve casos em que tinha mais polícia do que integrantes do bloco?
Aqueles caminhões, cheios de soldados virados de costas uns para os outros, já nos acompanharam, mas nunca teve mais polícia do que gente no bloco. No primeiro ano, o Ilê saiu com 100 pessoas. No segundo, botamos umas 400 e, a partir do terceiro ano, não saímos com menos de mil pessoas.
Quais tipos de repressão o Ilê viveu na ditadura?
Esse último 20 de novembro foi um dia muito importante aqui em Salvador. Um grande jornal da Bahia fez um caderno especial sobre a consciência negra e Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy e vários representantes do movimento negro foram lá e fizeram um desfile na redação. No passado, esse mesmo jornal foi o veículo que mais bateu na gente. Chamaram o Ilê de bloco racista, de nota destoante. Ele jogou muito duro conosco e, hoje, tem um caderno especial sobre a consciência negra. A imprensa foi muito perversa e dura com o Ilê e isso ficou marcado. Mas conseguimos superar isso. Depois surgiram outros blocos afros na Bahia, como Melô do Banzo, Olodum, Muzenza, e em Pernambuco, Maranhão e Rio de Janeiro.
Os integrantes foram perseguidos?
Não. Os nomes mais visados eram os dos diretores principais, eu e Apolônio. Quisemos colocar o nome do bloco como Poder Negro e fomos aconselhados a não fazer isso. De chegar às vias de fato nunca aconteceu não.
Quem aconselhou vocês a não colocar o nome de Poder Negro?
O presidente da federação dos clubes carnavalescos, saudoso Arquimedes Silva, era militar aposentado da Marinha e nos aconselhou. Na época, um amigo nosso da Polícia Federal também deu conselhos.
O que mudou no Ilê Aiyê depois da ditadura?
Na verdade, não mudou muito. A Bahia é uma terra muito racista. O Ilê se destacou, se mantém até hoje, 39 anos depois como uma teima que a fé sustenta. É uma teimosia nossa numa terra onde tudo é favorável para pessoas brancas. Patrocínio, dinheiro de governo é só para os artistas do axé.
Como o senhor vê o atual cenário do racismo no Brasil?
Não sei se está melhorando, mas a discussão está cada vez mais aberta. O Brasil se apresenta como um país de maioria negra, mas nas delegações só vê branco, parece até que é um país europeu. Nos cargos de comando ninguém tem coragem de colocar um negro. Mas ninguém é racista, né? Todo mundo assume que o país é racista, mas ninguém é. Nos cargos de 1;, 2; e 3; escalão não tem negro. Não se vê um partido indicar um negro para a Presidência, como foi com o Obama nos EUA. Alguma coisa precisa mudar. As colunas sociais só têm branco. Se as pessoas fossem escolhidas pela competência e não pela cor da pele, o Brasil teria outra cara.
Colaborou Gabriela de Almeida