Leon Hendrix, irmão mais novo de Jimi, não acreditou nos próprios ouvidos quando escutou os primeiros versos de Hey Joe no rádio. Jimi andava sumido, perseguindo seus sonhos musicais e havia rumado para Londres. De lá, pouco antes de surpreender o caçula pelas ondas do rádio, fez uma ligação a cobrar para casa. O pai, furioso, passou o telefone a Leon. Ele, levemente desinteressado, ouviu o irmão cantando e arranhando acordes, alguns deles de Hey Joe. Mal sabia Leon que aquela minissessão doméstica e informal era a prévia de uma carreira curta, mas revolucionária na história do rock e da guitarra elétrica. Essa e várias outras memórias estão registradas em Meu irmão Jimi Hendrix (Prumo), livro narrado por Leon em primeira pessoa e organizado pelo escritor Adam Mitchell.
A assinatura de um Hendrix não deixa o relato com pinta de biografia. É, antes de registro pessoal e, portanto, emotivo da vida de Jimi, uma reunião de lembranças, confissões, arrependimentos, cenas e conversas escrita por alguém que nasceu e cresceu ao lado do guitarrista. Quando retornou a Seattle, extremo noroeste dos Estados Unidos, após servir na Segunda Guerra, o patriarca da família, Allen, trocou o nome do primogênito para James Marshall ; Jimmy era o apelido inevitável. Mas o garoto, fanático por histórias em quadrinhos, odiava ser chamado assim. E escolheu Buster, o herói espacial de seu seriado favorito, Flash Gordon, como seu novo nome.
Confira trechos do livro
Em outubro de 1967, meu pai e eu estávamos em casa no intervalo da hora do almoço quando, de súbito, as paredes da sala começaram a vibrar. Os copos e pratos no armário chacoalharam, tilintando uns contra os outros. Demorei alguns segundos para perceber a causa: a música alta vinda do apartamento ao lado. Algo se apoderou de mim, porque a melodia me soava vagamente familiar. Dessa vez não havia dúvida sobre o ritmo inigualável.
- Pai! -- exclamei -- É o Buster!
- Hum? Do que você está falando? -- ele indagou, desatento, concentrando-se em calçar as botas. -- Vamos arrumar nossas coisas e retornar ao trabalho.
- Não! É sério! É o Buster. Lembra quando ele ligou de Londres contando que passaria a se apresentar como Jimi Hendrix Experience? É a música dele tocando no apartamento ao lado.
Papai parou no meio da sala e ficou ouvindo por um momento, a expressáo confusa no rosto.
- Ora -- ele murmurou. -- Você está só me provocando. Não pode ser verdade.
- Não! Estou lhe dizendo -- insisti, saindo de casa.
Fui para o corredor e comecei a bater na porta do vizinho. Quando o cara que morava lá atendeu, nuvens de fumaça de erva pairavam ao seu redor. Ele e a namorada, Cornflake, eram hippies até os ossos e, quando estavam se divertindo, punham a música no último volume.
- Ei, o que você está tocando na sua vitrola? -- perguntei, elevando a voz acima do barulho da música e procurando conter a emoção.
- Ah, isso? É Jimi Hendrix.
- Cara, é o meu irmão nesse disco! -- gritei, apontando para o LP preto e brilhante girando no toca-discos.
Atravessei a soleira da porta e vi Cornflake acomodada no sofá com um cachimbo de erva na mão, a fumaça escapando-lhe da boca.
- Cooorta essa! -- resmungou ela, entorpecida. A princípio, o casal estava convicto de que eu estava apenas brincando, mas, depois de baterem os olhos na capa do álbum sobre a mesinha de centro, eles mudaram de opinião. Cornflake arregalou os olhos, pasma -- Oh, meu Deus! Você é a cara dele!