Na escrita, seja qual for a origem ou destino, há algumas regras absolutas. Uma delas implica que qualquer citação direta deverá vir entre aspas e com os devidos créditos. Desrespeitá-la é ato ousado e responde, na maior parte das vezes, por plágio ou furto intelectual. No entanto, como nas mais rígidas legislações, há permissivas e convidativas brechas. Uma tentação para quem busca burlá-la, mas não exatamente infringi-la. Nesses termos, o escritor Leonardo Villa-Forte é um recorrente contraventor. Fazendo uso de trechos e citações de diversos autores, ele propõe uma novo resultado. Como se fosse em uma colagem de obras. A profissão ainda não foi reconhecida, mas começa a ganhar espaço e adeptos. Leonardo é um DJ literário.
Não lhe cabe, porém, a domesticação da prática. Pelo contrário. O remix literário nem sonhava com qualquer nomenclatura quando foi exercido pela primeira vez. O antropófago Mário de Andrade, pai da poesia moderna brasileira, escreveu o célebre Macunaíma (1928) a partir de recortes textuais. Constam ali Capistrano de Abreu e Couto Magalhães, por exemplo. Além de Pixinguinha. Talvez um primeiro passo para o desbravamento da etnomusicologia. Ninguém apontou-lhe o dedo. E se o fizeram, foi irrelevante. A história nada revela.
Leia remix criado por Leonardo
MixLit 63: Os noivos
Naquela mesma noite, Emilia mentiu pela primeira vez para Julio, e a mentira foi1: não sou virgem.2
Ele não sabia o que dizer. Filho único, internato só de meninos ; não sabia como falar com uma mulher quando as coisas davam errado.3 A verdade não se comunica4, cada um que entra imagina ser o primeiro a entrar.5
Levantou o rosto, apertou os olhos, estremeceu. A sua face doía. E quando pensava em levantar-se, logo desistia.6
Um estado de contemplação associado a uma respiração forte começou a acalmá-lo e, enquanto os ombros baixavam em verdadeiro relaxamento, lhe veio a ideia7: Largar o cobertor, a cama, o medo, o terço, o quarto, largar toda simbologia e religião; largar o espírito, largar a alma, abrir a porta principal e sair.8
Emilia9 permaneceu deitada com o corpo tensionado10 em silêncio, o silêncio mais longo que já houvera entre eles.11
1 Alejandro ZAMBRA. Bonsai. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo: Cosac Naify, 2012, p.21.
2 Nicolas BEHR. Poesia marginal ; Poeta marginal? Eu, hein? No site do autor: http://www.nicolasbehr.com.br/pagpoesiamarg.htm
3 Ian MCEWAN. Serena. Tradução de Caetano Galindo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.79.
4 Elaine PAUVOLID. O silêncio como contorno da mão. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011, p.61.
5 James JOYCE. Ulysses. Tradução de Caetano Galindo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.1029.
6 Nilton RESENDE. Diabolô. Maceió: Editora da Universidade de Alagoas, 2011, p.55
7 Leandro JARDIM. Rubores. Rio de Janeiro: Oito e meio, 2012, p.65.
8 Antônio CÍCERO. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.8 na amostra distribuída durante a Flip em Paraty, 2012.
9 Alejandro ZAMBRA, idem.
10 Jennifer EGAN. A visita cruel do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2011, p.16 na amostra distribuída durante a Flip em Paraty, 2012.
11 Jennifer EGAN, idem.