Aly Muritiba trabalhava de bilheteiro em uma estação de trem em São Paulo quando uma equipe de filmagem chegou ao local para rodar uma cena. Eles precisavam de um extra para "interpretar"... um bilheteiro. Muritiba ganhou o papel e R$ 500. Apesar de a ponta não ter entrado no corte final do longa De passagem (2003), de Ricardo Elias, o baiano da pequena Mairi nunca se esqueceu dessa experiência cinematográfica ao 18 anos.
Nem mesmo quando começou fazer faculdade de história. Nem quando se mudou para Curitiba, onde trabalhou como agente penitenciário e mora até hoje.
Aos 33, depois de cursar cinema no Paraná (e não se formar), Muritiba virou diretor do curta A fábrica, que fez parte da lista preliminar dos indicados ao Oscar 2013. O filme não entrou na lista final da Academia de Hollywood. Mas o ex-bilheteiro não se importou. "Tenho tido tanto trabalho que não dá tempo pra esse negócio de decepção. Decepção é meu Flamengo", brinca o novo cineasta.
Muritiba não tem do que reclamar. Na terça-feira (29/1), ganhou o Global Filmmaking, no Festival de Sundance (EUA), criado por Robert Redford. O prêmio lhe renderá US$ 10 mil (R$ 20 mil) ; além de um ano de cursos e tutela do festival ; para completar o roteiro de seu primeiro longa, O homem que matou a minha amada morta, um drama de vingança que começa a ser filmado em outubro. "É um grande passo ter meu trabalho reconhecido antes mesmo de ser filmado. Sundance é o templo do cinema de invenção, que não segue fórmulas e ousa", exalta o diretor e roteirista.
Aly Muritiba agora faz parte uma nova geração de cineastas brasileiros com referências múltiplas. Ele cita Michael Haneke (Amor) e os belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, de O garoto de bicicleta (2011), como influência e admira a "coragem de Cláudio Assis", cineasta de A febre do rato. Estamos com uma produção instigante, feita por uma galera jovem", diz Muritiba, já emplacando um discurso de diretor experiente: "Temos os filmes soap opera oferecidos pela Globo, mas eles são necessários".