Diversão e Arte

Lipovetsky defende desejo por produtos de marca, mas condena o consumo

O francês esteve falando a estudantes e a empresários de Brasília

Nahima Maciel
postado em 12/03/2013 11:05

Autor do livro O império do efêmero, Lipovetsky veio ao Brasil para uma série de palestras sobre mercado de luxo

A filosofia nunca vai substituir as grandes ideologias, mas pode ajudar a clarear o mundo. O francês Gilles Lipovetsky recorre ao pensamento filosófico para tentar compreender o fascínio da humanidade pelo luxo e pelo consumo. Essa combinação é centenária, mas nunca antes na história do ser humano foi tão democrática e disseminada. As sociedades contemporâneas vivem o que Lipovetsky chama de hipermodernidade, um tempo em que as culturas de classe desmoronaram, as grandes marcas do mercado de luxo procuram atrair clientes antes desprezados e o luxo já não é apenas uma etiqueta para classificar a origem social do proprietário. Ela diz mais sobre o indivíduo do que sobre sua origem. Durante uma palestra no ParkShopping, na última terça, Lipovetsky falou por quase duas horas para uma plateia de jovens estudantes que pagaram R$ 350 para ouvir o que o autor de O império do efêmero e O luxo eterno tem a dizer sobre moda e consumo na sociedade contemporânea.



Lipovetsky veio ao Brasil para uma série de conferências organizadas pela Maison du Luxe, empresa de eventos cuja renda vem da organização de palestras sobre mercado de luxo. Para quem não era estudante, ouvir o francês custou R$ 500. O discurso de Lipovetsky faz muito sucesso no Brasil e é com curiosidade que ele observa o país. Durante algum tempo, o nome do filósofo aparecia ligado às escolas que investiram na ideia de uma pós-modernidade, mas Lipovetsky cunhou outro termo. Se nos primeiros estudos ele analisava a pós-modernidade como um lugar no qual as sociedades eram marcadas por um individualismo narcísico, por relações humanas pautadas pelo hedonismo, mas também pela tolerância, de uns tempos para cá, ele fala em hipermodernidade e numa civilização do desejo guiada pelo hiperconsumo.

Confira a íntegra da estrevista com Gilles Lipovetsky

Há anos o senhor fala da dinâmica do efêmero na sociedade de consumo. Como o efêmero e as crises econômicas recentes estão ligados?

A dinâmica do efêmero está acontecendo pelo menos desde os anos 1950. A crise não tem nada a ver com isso. A crise é uma crise de poder de compra e diz respeito particularmente à Europa. Ela é muito menor em outros países. É a Europa que está doente. Não acredito em soluções voluntaristas. Se o consumo funciona, é porque corresponde a alguma coisa. O que é preciso fazer é dar instrumentos aos homens e mulheres pela educação, pela cultura, para que o consumo não seja o epicentro da vida. Mas não acredito em leis que interditem o consumo. Não acredito nisso. Não seria possível, por exemplo, brecar a bobageira da televisão colocando uma televisão exclusivamente de cultura. Podemos até colocar uma televisão com grande quantidade de programas de qualidade, mas isso não será suficiente porque apenas 3% da população vai assistir.

A América Latina não está doente, mas está reproduzindo um modelo que levou à doença;.

Sim, mas aí é uma doença econômica. Sob outro aspecto, a Europa está mais para modelo, porque é um capitalismo menos duro do que aquele que vocês têm aqui ou nos Estados Unidos. O capitalismo pode ter várias faces. O que será no futuro, ninguém pode responder. É um sistema flexível. Ele pode ser muito equilibrado ; como na Suécia, na Noruega e na Dinamarca. E pode ser extremamente duro, como o que vocês têm aqui e nos Estados Unidos, com desigualdades extremas. O mercado não poderá fazer tudo. E o Estado também não poderá fazer tudo. Mas é preciso encontrar soluções para que o mercado não ocupe toda a vida. O mercado é legal e é o melhor sistema, mas é preciso que as outras potências ; que são o interesse público, o Estado, a educação, a ecologia ; possam contrabalançar a potência do mercado. O mercado, se o deixarmos totalmente livre, não consegue se equilibrar. Sou um liberal, mas não um ultraliberal. O ultraliberal diz que o mercado regula tudo automaticamente e eu não acredito nisso. Penso que não há princípios absolutos. É preciso vários princípios. É preciso combinações. E para isso é preciso a inteligência dos homens. Um único sistema leva facilmente ao excesso. O que é o velho princípio, aliás, dos liberais. Montesquieu dizia que o poder deve frear o poder. Se você não colocar outro poder, o poder único ocupa todo o espaço, é normal. O mercado é igual. Por que o mercado se autorregularia de maneira miraculosa? Vimos as últimas crises. O mercado livre provocou um desastre. Então é preciso controlar. Não como Stálin, mas é preciso controlar um pouco. O mercado só tem legitimidade em uma sociedade se ele não se tornar a própria sociedade. A sociedade não é o mercado. O mercado é uma potência enorme da sociedade, mas a sociedade inteira não deve ser o mercado. Mais uma vez, não sou um antiliberal, mas é o ultraliberalismo que é um problema.

Temos um déficit de saber no mundo hoje?

Não. A ciência nunca foi tão potente, as elites intelectuais continuam a ser produzidas. Há um déficit de educação para muita gente. E há um fracasso da escola, que não consegue nem ensinar a ler e a escrever a 10%, 15% das pessoas. É preciso olhar para isso. Mas déficit do saber, não. Há grandes sábios em todas as áreas. O que muda é nosso ideal democrático da educação para que o saber não seja apenas para uma elite. Aí há muita coisa a fazer, embora estejamos progredindo. Acho que as grandes nações devem investir cada vez mais no saber porque não haverá solução sem o saber. Não é a religião que nos salvará.

A filosofia pode substituir a ideologia?

Francamente, não acredito. O tempo das grandes ideologias terminou na hipermodernidade. A filosofia não é única, há muitas, e tem lugar para todo mundo. Para mim, a filosofia permite clarear o mundo de maneira global e não de um ponto de vista unicamente de especialista. Nós precisamos estabelecer ligações, e a filosofia torna possível tomar distância em relação às coisas e não unicamente ser um especialista. É modesto, mas acho que é bastante útil. Mas não poderá substituir o que foi a religião. Eu não acredito nisso.

O senhor fala com frequência de um desmantelamento da cultura de classes. Qual o papel da sociedade de consumo nesse desmantelamento?

Ela é substituída pelas marcas. Quando não há mais uma cultura burguesa, por exemplo, que diz que você deve se vestir assim, falar assado, é o mercado que toma o lugar e as pessoas ficam perdidas porque podem fazer o que quiserem em uma sociedade na qual há uma escolha ilimitada de modelos. O que é a moda hoje? Onde ela está? Há várias modas. A moda dos jovens que fazem rap, ou que fazem skate. E não é a mesma das mulheres das grandes metrópoles. Há, hoje, comunidades muito diferentes e não há mais um centro que fixa o que é bom ou não. Não há mais uma convenção organizadora. É a razão do sucesso das marcas.

E isso é bom para a sociedade?

Não é ruim. Mas se as marcas se tornam um fetiche, é ruim. As marcas são boas se elas tiverem qualidade, se ajudarem as pessoas a ter referências. Mas se isso se transformar em fetichismo, não. Se houver uma espécie de febre de pessoas que querem marcas a qualquer custo, não é ruim, é triste.

Como os riots de Londres em 2011?


Aquilo foi, ao mesmo tempo, a expressão da importância do consumo mas também a expressão de uma sociedade que não tem mais a esperança revolucionária e tem apenas revoltas. As pessoas quebram, o que quer dizer que não há perspectiva. Então vem a revolta, o ódio. É a expressão de uma sociedade que não tem mais um modelo alternativo. Há uma espécie de desespero. Então, nesse caso, incendiamos, destruímos o bairro. É uma expressão dessa hipermodernidade: de um lado, há uma expressão mais leve, mais doce, com o consumo pelo prazer; do outro lado, as revoltas.

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