Diversão e Arte

Roteiro de cinemas e filmes exibidos em Brasília de 1960 a 1965 vira tese

Do total de programações analisadas, apenas duas eram de cinemas do Plano Piloto. Na época, cada cidade nascente contava com sua sala. A pesquisadora identificou seis cinemas nas cidades existentes então no Distrito Federal

Nahima Maciel
postado em 17/03/2013 08:00

Do total de programações analisadas, apenas duas eram de cinemas do Plano Piloto. Na época, cada cidade nascente contava com sua sala. A pesquisadora identificou seis cinemas nas cidades existentes então no Distrito Federal

O comentário de uma senhora fez a produtora cultural Daniela Marinho mudar completamente os rumos de uma pesquisa. A senhora não conseguia lembrar o nome de um filme, mas sabia direitinho onde e quando havia assistido à película. Pela descrição da história, Daniela conseguiu identificar o filme. O feito foi importante para a memória da senhorinha, que saiu contente da vida, e fez Daniela pensar em como os cinéfilos colecionam memórias de filmes vistos em ocasiões importantes e locais marcantes. Àquela altura, a pesquisa enveredava para a história da produção cinematográfica em Brasília. Mas, em vez de investigar como os filmes eram produzidos, ela se voltou para a programação dos cinemas da cidade entre 1960 e 1965.

O trabalho rendeu uma tese de mestrado intitulada Os filmes da minha vida: exibição e sala de cinema em Brasília de 1960 a 1965, uma pesquisa extensa que esmiúça a programação dos circuitos comercial e alternativo da capital então recém-nascida. Com o auxílio de recortes de jornais da época, a pesquisadora conseguiu reconstituir um roteiro dos filmes assistidos pelo público na capital. Entre 1960 e 1964, figuras como Paulo Emílio Sales Gomes, Sergio Marcondes e Fritz Teixeira Sales agitavam a cena local na tentativa de movimentar a atividade cinematográfica. ;Havia cobrança das pessoas da cidade;, diz Daniela. ;Encontrei notícias que mostravam que a gente tinha um problema de logística na cidade, como a falta de peixe na Semana Santa, mas no cinema isso foi bem controlado nos dois primeiros anos. Os filmes que passavam eram recentes, havia uma programação constante. Mas isso foi interrompido com a ditadura e o desmantelamento da UnB.;

Daniela dividiu a pesquisa por salas e circuitos. Do total de programações analisadas, apenas duas eram de cinemas do Plano Piloto. Na época, cada cidade nascente contava com sua sala. A pesquisadora identificou seis cinemas nas cidades existentes então no Distrito Federal. Entre eles estão o Cine Alvorada, de Sobradinho, o Cine Paranoá e o Cine Teatro, ambos de Taguatinga, o Cine Itapoã, do Gama, e o Cine Bandeirante, no Núcleo Bandeirante. ;Nos anos 1960, os cinemas eram muito mais dispersos pela cidade. Se você pensar no tamanho da cidade na época, havia muito mais cinemas do que hoje. E se for comparar, vai ver que houve um processo de elitização dos cinemas. Brasília tinha apenas três anos e já tinha cinema no Gama, em Taguatinga e em Sobradinho. Hoje, cidades mais jovens, como Riacho Fundo, Samambaia ou Estrutural, não têm acesso ao cinema. É o mais gritante para mim;, aponta a pesquisadora.

Do total de programações analisadas, apenas duas eram de cinemas do Plano Piloto. Na época, cada cidade nascente contava com sua sala. A pesquisadora identificou seis cinemas nas cidades existentes então no Distrito Federal

Trechos do trabalho Os filmes de minha vida, de Daniela Marinho:

1.5. Sobre os primeiros anos de formação cultural da capital

A formação cultural da nova capital começou com a sua própria construção. Ignorou-se a vida cultural vivida pelas cidades já existentes na região por não se configurar como cultura de uma metrópole. Brasília precisaria importar arte vinda de outros espaços para legitimar a sua construção. Para que fosse o maior símbolo possível de um país novo e moderno, foi incorporada à nova cidade o que havia de mais arrojado no cenário internacional. Assim, essa construção artística da capital estava formada desde seus primórdios.

Com Brasília, retomava-se também uma tradição brasileira do patrocínio estatal à arte, ao encomendar a artistas de renome que construíssem marcos estéticos e monumentos que suprissem uma dupla função pedagógica: a educação estética e a cívica. Muitos artistas foram convidados a deixar suas obras nos halls e jardins dos Palácios, prédios importantes e residências oficiais. Mary Vieira, Sérgio de Camargo e Franz Weissmann, inteiramente identificados com o concretismo e com o abstracionismo, assim como os já consagrados Victor Brecheret, Bruno Giorgi, Maria Martins contribuíram para esse surto de arte pública, que veio valorizar e dotar de distinção os principais edifícios da cidade. Apesar das diferenças que os distinguem, todos eles, pode-se dizer, são artistas de renome internacional e marcados pela poética da limpeza e do purismo predominante nas experiências estéticas do Brasil dos anos 50. (LADEIRA, 2002, p. 190)


Além dos artistas presentes nos prédios oficiais, houve a concepção da cidade, que veio ligada a transferência da equipe de Oscar Niemeyer para a construção de Brasília. A história do campo das artes e das instituições artísticas em Brasília pode ser focalizada desde antes mesmo da fundação da cidade. Inicia-se em 1958, ano emblemático, quando se tem em vista este tópico, pois, esse foi o ano em que se transferiu do Rio para Brasília a equipe de Oscar Niemeyer, arquitetos, calculistas, técnicos, dentre eles artistas como o já referido Samuel Rawet, engenheiro e escritor, e Athos Bulcão, artista. Athos envolveu-se profundamente com a cidade, nela realizando-se como grande inventor, pela face "pública" que pôde imprimir à sua arte e consagrando-se também como pintor, artista intimista, identificado com a arte de vanguarda desde muito jovem. (LADEIRA, 2002)

Em 1959, foi realizado na cidade o Congresso Internacional de Críticos de Arte13. Em Setembro, fotos de Brasília foram expostas em Bienais mundo aforam, a capital foi apresentada como uma cidade síntese das artes. A arte e os artistas seriam imprescindíveis para a cidade legitimar-se como capital. A arquitetura, a primeira das artes, arte pública por excelência, por estar permanentemente exposta e por estampar as marcas da história, era o grande modelo pelo qual deveriam pautar-se as outras artes, integradas aos prédios, localizadas em espaços internos ou externos aos edifícios. A compreensão mais profunda dessa integração foi realizada na obra de Athos Bulcão que inventou um novo tipo de muralismo. (LADEIRA, 2002, p. 196)


Contudo, foi com o advento da Universidade de Brasília (UnB), que essa junção Arte e Cidade se amalgamou. A educação teve um papel preponderante. A instituição na capital surgiu dentro do contexto de crise universitária no país, onde as principais cabeças já pensavam a reformulação do sistema de ensino superior. Mas a sua concretização se deu em Brasília. Nas asas de um avião surgiu a UnB. Juscelino Kubitschek e Anísio Teixeira conversaram sobre a ideia de uma instituição de ensino superior na nova capital em um dos retornos de Brasília ao Rio de Janeiro. A universidade nasceu em um voo livre; contudo, em plano terreno, ela havia de ter muitos obstáculos. No plano do sonho, alçou aos céus o desejo da intelectualidade brasileira como nunca.

Do total de programações analisadas, apenas duas eram de cinemas do Plano Piloto. Na época, cada cidade nascente contava com sua sala. A pesquisadora identificou seis cinemas nas cidades existentes então no Distrito Federal

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