Diversão e Arte

Mitos trazem perspectiva histórica da relação entre o homem e os alimentos

Dentro de uma construção compartilhada por muitas etnias, as espécies vivas são consideradas também seres humanos. Antropólogo francês dedicou anos da carreira ao estudo

Marcela Ulhoa
postado em 20/04/2013 08:01
Segundo um mito da cultura maia, o homem foi feito do milho. O cereal é a base da alimentação da Mesoamérica

O Popol Vuh, registro documental da cultura maia, traz um curioso mito sobre o surgimento do primeiro homem. Segundo a narrativa, os deuses maias o criaram inicialmente da lama, mas não deu certo porque ele acabou se dissolvendo. Tentaram, então, moldar uma pessoa a partir da madeira, mas se depararam com o problema de que ela não tinha alma. Enfurecidos, os deuses destruíram o mundo com chuva e fogo. Em uma última tentativa, fizeram o homem de farinha de milho. O projeto vingou e os maias passaram a crer que o cereal era a matéria-prima de sua formação.

A importância do alimento para a Mesoamérica do período pré-colombiano se estende até hoje. Além de fazer parte da história de criação do próprio povo, o milho desempenha um papel crucial na gastronomia. São várias espécies cultivadas que entram na preparação de pratos como a arepa, um tipo de pão feito da farinha do grão, ou em bebidas como a chica, feita com milho fermentado. No Brasil, os indígenas também contam com um rico e extenso repertório de mitos em que o alimento aparece de forma recorrente como personagem central. Além de explicarem a forma que esses povos tradicionais encaram a sua relação com a natureza, essas narrativas acabam por explicitar muito da história alimentar do país.



A mandioca teria sido enviada pelo deus Tupã para alimentar uma aldeia indígena faminta

O renomado antropólogo francês Claude Lévi-Strauss dedicou anos de sua carreira acadêmica na escrita de quatro volumes de uma grande obra que traz uma reflexão sobre a mitologia indígena das Américas. No primeiro volume, chamado O cru e o cozido, o antropólogo remonta, por exemplo, alguns dos mitos sobre a origem das plantas cultivadas, dos porcos selvagens e das proibições alimentares. ;O que é interessante na obra de Lévi-Strauss é ver que a questão da alimentação é central no pensamento ameríndio porque ela é uma categoria do sensível. Os códigos auditivos, visuais, gustativos e olfativos são centrais e estruturais;, avalia Lydie Oiara Bonilla, antropóloga do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela explica que os mitos revelam a importância que os indígenas depositam na relação com as plantas e animais. E é essa relação que organiza o pensamento desses povos, suas concepções de tempo, mundo e vida.

Dentro de uma construção compartilhada por muitas etnias, as espécies vivas são consideradas também seres humanos. Antropólogo francês dedicou anos da carreira ao estudo

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