Maria Semple costuma dizer que gosta muito da insanidade disfarçada de normalidade. O truque é fazer os normais parecerem pouco, digamos, exemplares e um tanto desajustados, enquanto aqueles classificados pelo senso comum como fora da caixinha acabem parecendo lúcidos. Se a leitura de Cadê você, Bernadette? começar assim enviesada, então Maria acertou mais uma vez. Roteirista da série de TV Mad about you, Ellen e Barrados no baile, todas dos anos 1990, a escritora sabe mergulhar num mundo de absurdos trágicos e torná-lo o mais divertido e natural dos universos. É preciso ter isso em mente quando ela apresenta Bernadette.
Mãe da superdotada Bee, a personagem é uma arquiteta premiada que realizou apenas dois projetos e sumiu do mapa depois de ganhar uma bolsa concedida apenas a gênios. O marido, Elgie, é um nerd da Microsoft famoso nos Estados Unidos pelo QI capaz de idealizar complicados projetos de informática. O casal se mudou de Los Angeles para Seattle, por causa do trabalho de Elgie, e virou uma verdadeira aberração no mar de normalidade nada empolgante que é cidade mais chuvosa do país. Bernadette odeia o lugar. Acha a cidade banal, as pessoas provincianas, o clima horrível e a paisagem trivial.
Como criou Bernadette?
Quando mudei de Los Angeles para Seattle deixei para trás a careira de roteirista de sitcom e fui para uma cidade na qual não conhecia ninguém. Eu não tinha trabalho e acabei imersa em um mundo no qual eu era apenas uma mãe de aluna de escola privada. Não encarei a transição muito bem. Eu não gostava da cidade, não entendia as pessoas e achava que as pessoas não me entendiam. Me sentia alienada, sozinha e julgada pelas pessoas de Seattle. Tudo isso era uma coisa da minha cabeça e esse estado mental muito ruim resultou em meu primeiro romance, This one is mine. Ele foi publicado, mas não foi tão bem. Houve boas críticas, mas não vendeu bem e fiquei com muita vergonha. Tive essa sensação de que não deveria mais escrever, fiquei achando que era uma escritora com bloqueio criativo que nunca mais escreveria. Culpei a cidade e as pessoas que não conhecia. Meu a escritora de comédia que há em mim reconheceu a parte absurda e engraçada das coisas e aí comecei a construir a personagem de Bernadette , inspirada nessa dor pessoal que eu sentia.
Por que mudou de opinião quanto a Seattle?
A recepção do livro foi excepcional, o que me surprendeu porque eu achava que estava escrevendo algo muito pessoal que não atrairia ninguém. Mas há algo especial em Bernadette e na filha, o amor que sentem uma pela outra, enfim, há algo no livro que ganha o leitor. Eu nunca odiei Seattle da maneira como Bernadette odiava, mas reconheço que eu tinha um ponto de vista muito forte e também engraçado sobre a cidade, pontos de vista que um escritor de comédia poderia transformar em uma boa comédia. Consegui reconhecer o cômico em ser um personagem como o ela e exagerei um pouco. Enquanto estava escrevendo, comecei a apreciar Seattle e seu charme e percebi que adoro o tempo e o ceu e pensei na sorte que tínhamos de estar ali. Terminei adorando Seattle e fiquei muito emocionada com o fato de as pessoas da cidade terem sido tão receptivas ao livro.
Você sente falta de escrever para a TV? E como o fato de ter escrito sitcoms foi importante para construir o romance?
Com certeza sinto falta de escrever para a televisão porque eu realmente gostava muito das pessoas e dos meus companheiros escritores. Sinto falta deles e do processo colaborativo, de nos trancarmos em uma sala e tentarmos criar coisas inteligentes para fazer as pessoas rirem. É muito divertido, não há nada como esse processo. E ele realmente faz crescer como escritor, mas eu prefiro a liberdade de escrever romances e sinto que sou uma romancista melhor do que uma autora de roteiros para a TV. Sou a romancista que sou por causa de todos os truques que aprendi como roteirista. Você aprende a escrever personagens fortes, diálogos fortes, aprende a entender a história e as cenas, o que muitos romancistas não fazem, mas acho que isso torna a leitura uma experiência muito mais imediata e prazerosa para o leitor.
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