postado em 10/08/2013 09:44
Em Apontamentos para uma história, de Sérgio Moriconi (Instituto Terceiro Setor, ITS,2013 ), a via preferencial é naturalmente a do ensaio historiográfico para trazer à baila, vivo e palpitante, o nascimento e o desenvolvimento do cinema como atividade cultural em Brasília. A exemplo de Paulo Emílio que, para traçar o perfil de Humberto Mauro, foi fundo no levantamento socioantropológico da zona da mata mineira, Moriconi dedicou-se por longo período a garimpar os estoques disponíveis de guardados, seja de arquivos públicos ou privados, seja ouvindo pacientemente o testemunho dos que viveram uma época anterior à própria construção da cidade como a caracterizar uma pré-história do seu objeto de estudo. Isso sem dispensar ; e até privilegiando ; narrativas pitorescas que, muitas vezes, ilustram saborosamente o papel do indivíduo na história. E assim prossegue de modo a suscitar uma atmosfera envolvente, superando o que poderia se tornar uma mera ;linha do tempo; e não, como pretendeu, uma reconstituição de certa forma exaustiva até os dias de hoje.
Vocação de escritor, o crítico e pesquisador de cinema e música se demora apenas o suficiente para dar corpo à retomada da mítica marcha para o Oeste empreendida pelo governo de Juscelino Kubitscheck. Aqui não encontramos mais os índios Goiá, num ermo isolado do mundo e do próprio Brasil. O antigo sítio do Castanho estava mais para o lugar ainda inóspito em que um dia o paulista Francisco de Almeida Salles, crítico ilustre, abrindo um encontro nacional de cursos de cinema na UnB, em 1970, reconheceu os primeiros sinais de uma civilização convivendo contemporaneamente com a pedra lascada, no mesmo caldo de cultura. Os Apontamentos, na verdade, realizam judicioso inventário de forma que possamos sentir os vestígios desse ;filme; não realizado, que foi sendo soterrado pelo concreto armado desde a inauguração de Brasília, e com o mesmo aprumo seguem refazendo todo o caminho do cinema brasiliense até aqui.
Com a transferência da nova capital temos o projeto da Universidade de Brasília, que trará, em 1960, o primeiro curso regular de cinema do país, com Paulo Emílio, Jean Claude Bernardet e Nelson Pereira dos Santos. O charme eloquente das aulas dos dois primeiros e o pragmatismo entusiástico do último como que hipnotizam os jovens estudantes, já de si fascinados pelo cinema, e deixam marca indelével em tudo que virá depois, incluindo, entre outros ganhos, a criação do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e o filme-manifesto Fala Brasília, espécie de bússola para o movimento documentarista que tem fluxo perene até hoje. Nesse rol, pode ser incluído o Pólo de Cinema e Vídeo, que só viria nos anos de 1990, mas que já se prenunciava nos planos de Pompeu de Souza, pioneiríssimo criador da Faculdade de Comunicação de Massas.