Diversão e Arte

Diretor de museu Michael Dixon fala sobre arte, cultura e política

Para o diretor do Museu de História Natural de Londres, a crise da Europa prejudicou o crescimento de serviços oferecidos pelo museu

postado em 19/11/2013 10:33
Dixon:  Queremos agora pedaços de outros planetas, porque eles nos dizem muito sobre a formação do nosso sistema solar
Como se dá a gestão do orçamento do museu?


Geramos 1/3 da nossa receita, e 2/3 vêm do governo. A proporção do governo está caindo porque estamos muito mais empreendedores em como gerar receita, mais habilidosos em administrar atividades comerciais como restaurantes, lanchonetes, lojas, alugamos o prédio para eventos, é possível fazer uma série de coisas. Haverá um nível em que a ajuda do governo vai cair tanto que pode acabar comprometendo as políticas de admissão gratuita. Mas ainda não estamos nesse ponto. Espero que a economia melhore e que os fundos do governo estabilizem. Doações são importante, mas os visitantes não dão muito ao museu. Filantropia é muito importante, ela gera dinheiro para o museu, principalmente para projetos especiais e coisas pontuais, de infraestrutura. O museu custa entre 65 e 70 milhões de libras (em média R$ 259 milhões) por ano, é uma quantidade substancial de dinheiro. Mas, considerando o valor econômico que essas visitas geram, é muito mais do que os custos dos museus. É um investimento.

Alguma coisa mudou com a crise?

Temos sinais de que os visitantes estão menos cuidadosos e estão gastando um pouco mais de dinheiro. O que observamos nos anos que se passaram é que não houve crescimento dos serviços oferecidos pelo museu na mesma proporção das visitas, o que sugeria que as pessoas estavam mais cautelosas. Mas agora, estamos vendo um crescimento novamente. As pessoas estão mais confiantes na economia. O governo continua a prover fundos, mas ele tem escolhas difíceis a fazer quanto ao que financiar. É muito difícil argumentar contra saúde, educação ou infraestrutura. Esperamos que os sinais da recuperação econômica estejam se acelerando.

Se pudesse dar um conselho ao governo brasieliro, o que diria para convencê-lo de que investir em cultura vale a pena?

As instituições culturais nos dão um sentido de quem somos, de onde viemos e o que é importante na vida. Se você investir apenas nas necessidades básicas, você vai apenas existir. E viver é muito mais que simplesmente existir. Viver é ter uma rica tapeçaria de coisas com as quais você possa se comprometer. A cultura nos dá um sentido de quem nós somos e qual o nosso lugar no mundo, por isso é importante celebrarmos as diferenças entre as culturas do mundo e nossa própria cultura.

Como lidar com problemas legais de países que reclamam o repatriamento de certos objetos?

Por razões históricas, o museu tem uma grande coleção de restos humanos. Eles são de todas as partes do mundo, embora metade seja do Reino Unido. A maioria são restos arqueológicos, mas mais recentes em alguns casos. Nossas leis não permitem que qualquer peça de nossas coleções sejam vendidas ou passadas para alguém. Então nós realmente recebemos reclamações de povos nativos de alguns países por causa desses restos. Às vezes é só uma pequenina amostra, às vezes um esqueleto inteiro, mas esses são mais raros. E temos pedidos de repatriação. A administração anterior, do primeiro ministro Tony Blair, decidiu fazer mudanças em uma parte da legislação. Eles fizeram uma emenda para permitir aos museus nacionais que devolvessem restos humanos aos países aos quais pertenciam. Mas essa eles também colocaram a obrigação de balancear o argumento ético, espiritual e religioso em relação ao benefício científico de termos esses restos à disposição dos estudos científicos. Há uma controvérsia enorme nessa área: você não pode comparar essas duas coisas de maneira racional. O que tentamos fazer quando temos esse tipo de pedido de povos e comunidades nativas é encontrar uma maneira de acomodar todos os interesses, respeitando a necessidade ética, espiritual e religiosa da comunidade que faz o pedido. Mas esses objetos devem ser mantidos de maneira apropriada, em um lugar em que estejam disponíveis para estudos científicos, porque não sabemos, no futuro, que tipo de questões aparecerão sobre as origens humanas, sobre as doenças do homem. É muito importante não perder a habilidade de fazer esses estudos. Para nós, no momento, é a única exceção da lei. Claro,, há argumentos em outras áreas em relação a objetos culturais, mas aí não é o caso de mudar a lei. Até agora, nossa resposta é que a lei é a lei e não vamos transgredi-la.

E como o Museu de História Natural de Londres faz uso das tecnologias e redes sociais?

[SAIBAMAIS]Quando eu tinha 10 anos, um museu era uma coleção de objetos em vitrines com uma pequena etiqueta. Claro, isso permitia apenas uma pequena interpretação. Estamos experimentando a tecnologia para interpretar os objetos em várias perspectivas. Nossas novas galerias têm exposições com cerca de 22 objetos e tótens com telas sensíveis ao toque. São somente 22 objetos na galeria, os mais icônicos do museu, e as telas têm, claro, a informação básica, o que são e de onde vêm as peças, mas também é uma oportunidade de interpretar os objetos a partir de diferentes pontos de vista porque somos uma organização que fala de ciência, mas também reconhecemos que os objetos têm uma história e essa história é baseada em sua importância icônica, sua história social, geográfica enfim. A ideia é usar as telas para ter uma profundidade maior de informações sobe os objetos. Agora, temos wireless no museu. Você pode usar seu iPhone , também temos QR code nas galerias. E sabemos que as pessoas vão aos museus para ver os objetos reais, há algo inspirador em ver um fóssil, ver uma foto não é a mesma coisa. Acho que esses desenvolvimentos tecnológicos ajudam a melhorar uma visita ao museu e ajudam as pessoas a formularem e responderem suas próprias perguntas sobre um objeto, mais que dispositivos impressos. Eu não acredito no museu virutal. Em criar algo no computador e dizer que é como visitar um museu, porque não é uma experiência real. As pessoas gostam de ver os objetos ao vivo e gostam de interagir com outras pessoas. Há muitos voluntários no museu e agora também temos um programa com os cientistas, que conversam com as pessoas sobre suas pesquisas.

Museus, arte e cultura podem influenciar a política?

[FOTO2]Sim! Acho que o sucesso das instituições culturais no Reino Unido influenciam a política do governo. Desde que os museus voltaram à admissão gratuita, vimos um aumento enorme da quantidade de visitantes e temos a autoconfiança de sermos fortes. Aprendemos a atrair dinheiro para os projetos que queremos fazer. Nesses 12 anos de admissão gratuita houve uma enorme quantidade de projetos essenciais e e projetos de novas instalações para museus em Londres. A Great Court do British Museum, a Tate Modern e sua extensão, e outras extensões de várias museus. Isso não teria acontecido sem o suporte do governo em manter a política de admissão gratuita. Eu gostaria, claro, de ver o Museu de História Natural mais engajado com o governo no sentido de prover evidências científicas para alimentar a política. Temos uma quantidade enorme de projetos. Por exemplo, nós rastreamos espécies invasivas que chegam ao Reino Unido e temos um projeto sobre a Blue Bell (flor) nativa e uma Blue Bell espanhola que está competindo com a Blue Bell nativa. Estamos rastreando essa invasão por todo o país com a ajuda dos cidadãos. É uma ideia muito interessante de usar o poder de muitas pessoas de observar uma informação científica.

Você costuma dizer que o Museu de História Natural é um lugar de comprometimento com a ciência. Por que?

As pessoas estão cada vez mais interessadas em problemas de meio ambiente e vimos um aumento no número de pessoas interessadas nisso desde que a política de admissão gratuita foi introduzida. Os números dobraram rapidamente. Parte disso vem de um interesse público pelo meio ambiente. As pessoas estão interessadas no que é o impacto da mudança climática e querem entender mais esses problemas. Nos beneficiamos disso nos museus e desenvolvemos a posição na imaginação pública de que somos uma instituição objetiva e confiável: nós apresentamos os fatos e as pessoas tomam suas próprias decisões. Há uma janela de oportunidades para uma centena de países de reproduzir o que estamos fazendo, construindo uma instituição nacional que olha para os problemas de história natural. E fazemos isso porque temos um trabalho científico. Temos cientistas de verdade trabalhando cinco dias por semana em ciência. É uma decisão política, porque como nação reconhecemos que não há jovens suficientes estudando áreas da ciência na universidade. Há uma lacuna e precisamos de mais cientistas e engenheiros, então temos essa missão de inspirar os jovens a considerar a ciência como uma real opção de carreira. Acho que isso é importante. A experiência em um museu é consideravelmente melhor aproveitada ao encontrar pessoas que estão trabalhando naquele campo. Todos os dias, como parte de um programa, temos cientistas que falam com o público sobre o trabalho que estão fazendo. Essas interações são fascinantes de assistir, porque os cientistas estão acostumados a conversar com pares em linguagem científica, mas quando têm que falar com o público não usam o mesmo jargão científico e, às vezes, as perguntas podem ser muito fascinantes. São coisas como "Por que elefantes são tão grandes?". E os cientistas precisam fazer pesquisas instintivas para perguntas assim. Esse tipo de diálogo com o público torna a experiência do público no museu muito mais memorável e faz os cientistas pensarem muito mais sobre o trabalho que estão fazendo e o impacto e relevância disso. Acho que a pior coisa que podemos fazer nos museus é trancar os cientistas atrás de portas que o público não ultrapassa.

Isso é uma tendência nos museus de história natural mundo afora?

Os grandes museus têm coleções enormes e usam essas coleções para a ciência: eles têm enormes equipes de cientistas trabalhando em cima das coleções. Nós recebemos cientistas do mundo inteiro, por exemplo. É uma questão de infraestrutura e tamanho do museu.

Que tipo de coleção é relevante para um museu de história natural?

Temos 8 milhões de objetos na nossa coleção e eles vêm até do espaço (sideral), o que nos dá muito informação sobre nosso sistema solar, mas temos rochas, fósseis do nosso planeta e também pedaços da Lua. Queremos agora pedaços de outros planetas, porque eles nos dizem muito sobre a formação do nosso sistema solar e sobre a possibilidade de existência de vida em outros planetas. Por exemplo: os cientistas do Museu de História Natural foram os primeiros a demonstrar que provavelmente houve água em Marte. Também temos gemas, plantas, animais. Estamos pensando em DNA, em amostras de tecidos. Já estamos guardando amostras de tecidos, já que temos de outros períodos. Estamos estocando amostras em nitrogênio líquido. Acho que nunca é tarde para construir uma coleção nacional.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação