Estreia, na próxima sexta-feira (22/11), o documentário Cidade cinza, de Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo. O filme traz um episódio que marcou o conflito que ainda segue silencioso entre os grafiteiros e a Prefeitura de São Paulo. Em 2008, a prefeitura da maior cidade brasileira apagou o painel do elevado que dá acesso à Avenida 23 de Maio, na Bela Vista, pintado seis anos antes por Nina Pandolfo, Osgemeos e Nunca. O governo municipal se justificou dizendo que foi um equívoco.
O filme acompanha o trabalho dos artistas na repintura do painel de quase 700 metros. O mural foi realizado por Nina Pandolfo, Nunca, Finok, Zefix e Osgemeos e recebeu um investimento de R$ 200 mil da Associação Comercial de São Paulo. ;Nunca sentimos interesse na parte da prefeitura para entender e respeitar a cultura do grafite em nossa cidade. Achamos que existem problemas sérios em São Paulo que precisam desse dinheiro vindo do contribuinte para ser solucionado, em vezs de ser investido em tinta cinza para apagar trabalhos de arte;, instigam Osgemeos.
[SAIBAMAIS]Além de trazer o depoimentos dos grafiteiros, o documentário também mostra o trabalho da prefeitura para manter os muros da cidade limpos. Um trabalho que não tem critérios e nem regras determinadas. Os grafites são apagados de forma aleatória, de acordo com o julgamento dos funcionários. ;É uma obra que informa, ao mesmo tempo que manifesta. O filme mostra o quanto a prefeitura é incoerente perante a política de ;cidade limpa;. É um filme muito importante para levantar um tema de discussão que precisa ser revisto por todos;, refletem Osgemeos.
Confira entrevista com o diretor Marcelo Mesquita
Como é quando surgiu a ideia do documentário?
A ideia do filme surgiu há 7 anos, em 2007. A cena de São Paulo estava quente com artistas já celebrados no exterior e experimentando um reconhecimento do trabalho no Brasil. Começamos com a ideia de registrar toda a cena, mas desistimos, em poucos meses de pesquisa, pela quantidade de grafiteiros presentes na cidade. Seria impossível registrar um doc com profundidade com tantos artistas na rua, logo decidimos focar em uma única turma. A questão da prefeitura apagar os trabalhos na rua veio após o início do projeto. A política começou a ser implementada em 2007, com mais intensidade em 2008, e não tivemos dúvida de que seria um prato cheio para a história, entender como esse processo de curadoria urbana era desenvolvido.
O filme mostra um conflito constante entre os grafiteiros e a prefeitura de São Paulo, além de trazer como pano de fundo a repintura do painel, mas não esconde o instinto dos artistas quando querem deixar sua marca nos muros. O grafite e a pichação, em algumas situações para o cidadão leigo, recebem o mesmo tratamento e definição. Você acredita que esse comportamento que não ficou fora do filme, até por que é algo da essência do grafite, prejudica na aceitação e valorização como arte urbana?
Acreditamos que toda e qualquer manifestação na rua é um resultado da própria cidade. São Paulo é uma cidade opressora, que não oferece segurança, educação, transporte e cultura a todos, que se verticaliza mais a cada dia, e o que esta na rua é um espelho disso. Se o trabalho é mais ou menos agressivo na estética, se é bonito ou feio, autorizado ou não, tudo isso é uma questão secundária, resultante de uma cidade que de fato não funciona como cidade. As pessoas estão colocando seus nomes na rua, pois precisam ser ouvidas, o grafite se coloca de forma a discutir essa situação com força. Essa é a força desse movimento, resta saber se o setor público esta disposto a ter este diálogo.
Quando o filme foi filmado?
A pesquisa começou em 2007, e filmamos boa parte do nosso material em 2008/2009. A linha narrativa do filme se passa do momento em que a prefeitura apaga o mural da 23 de maio até o momento em que os artistas rafazem o mesmo e o entregam à cidade, em dezembro de 2008. Mas todos os grandes eventos que aconteceram em São Paulo foram filmados nos anos seguintes, como a expo da Faap em 2009 e o Plasticians Volants no Anahangabau em 2010. Fora isso, um grande acervo de fotos e filmagens de terceiros foram incorporados ao documentário, datado até 2012. A última vez que abrimos a câmera foi durante na montagem, quando sentimos a necessidade de ver a cidade de cima, com imagens aéreas, para que São Paulo se tornasse protagonista de fato na história.
Na sua opinião, o grafite precisa do que para ser mais valorizado e deixar de ter a diferença de preço que tem nas ruas e nas galerias?
O grafite antes de ser discutido nas galerias, precisa ser compreendido nas ruas. As pessoas precisam ouvir, e entender que cada nome, cada gesto de expressão na rua é uma voz, uma voz numa cidade que não escuta, ou não quer escutar. Mas acho que muitas coisas mudaram após os protestos, que tem muito a ver com tudo isso, e se temos um bom momento para mudar a situação e debater não só essa como outras questões, esse momento é agora.