Diversão e Arte

Criador da página "Eu me chamo Antônio" publica livro com versos e desenhos

Pouco mais de um ano depois da criação do personagem, Pedro Gabriel foi convidado a publicar um livro com seus versos desenhados

Rebeca Oliveira
postado em 30/12/2013 08:46

Guardanapos de papel e botequins estão juntos há anos. O publicitário Pedro Gabriel, no entanto, enxergou um novo sentido nessa relação. Certo dia, encostado no balcão do tradicional Bar Lamas, no Rio de Janeiro, passou a ilustrar guardanapos com uma caneta esferográfica.

Enquanto o chope não chegava, nasceu o personagem Antônio, um alter ego sensível e poético de Pedro. Não demorou até que o autor batesse ponto no botequim toda semana em busca de inspiração para criar seus versos e desenhos. ;Todo mundo já escreveu alguma coisa em guardanapo, mas ninguém valorizava essa plataforma;, afirma.



Em suas criações, Pedro Gabriel gosta de brincar com o jogo de palavras. O conteúdo, em sua maioria, fala de amor e relacionamentos. ;Na dança do amor, dor para cá, dor para lá;, ;Passei da mágoa para o vinho; e ;As nossas falhas também poderiam cair no outono; são exemplos. A sonoridade e a grafia da língua portuguesa o atraem (inclusive, ele sugere que os versos sejam lidos em voz alta).

Do bar para as livrarias

Em outubro de 2012, Pedro decidiu montar o blog Eu me chamo Antônio. A ideia era apenas fotografar e registrar os guardanapos para não perder sua arte. Afinal, o papel fininho e descartável poderia se rasgar ao menor dos toques. Em pouco tempo, as obras de Pedro Gabriel se tornaram um viral nas redes sociais. No Facebook, a funpage criada pelo publicitário atraiu 410 mil fãs. No Instagram, são 67 mil seguidores. ;Brasília é a quarta cidade que mais curte a página. Visitá-la está na lista das minhas prioridades;, anuncia.

Confira entrevista com o publicitário Pedro Gabriel

Com qual frequência você ia ao bar Lamas e como a história com os guardanapos começou?

Depois que me mudei para um bairro próximo ao Flamengo, comecei a frequentar o Bar Lamas. Trabalhava bem longe da minha casa e, certo dia, voltando bem cansado do trabalho, fiz meu pedido no bar. Enquanto o chope não chegava, comecei a desenhar em um guardanapo. Gostei do que vi. Passei a fazer disso um hábito e comecei a fotografar os guardanapos. Depois de um tempo, comecei a ver que já tinha bastante material e coloquei na internet, apenas como um registro online. Não imaginava que as pessoas iam descobrir, curtir e compartilhar. Até hoje me pergunto como chegou a ter tanta popularidade em tão pouco tempo.

Você ia várias vezes ao bar, então? Só conseguia criar lá?

Eu continuei tomando meu bom e velho chope direto no balcão. Não me forço a ir ao Bar Lamas, só desenho e escrevo quando a inspiração chega. Tenho uma intimidade com os garçons e eu só consigo fazer o que faço estando ali. Tentei desenhar em casa, mas não fiquei muito satisfeito com o resultado. Criei uma ligação com aquele lugar.

Como trabalhar com uma plataforma tão suscetível e que pode se rasgar com o menor dos toques?

Todo mundo já escreveu alguma coisa em guardanapo, mas não valorizava essa plataforma. Acabei levando ela um pouco além: tratava um guardanapo como uma obra de arte. Eu gostei do resultado, do desenho, da harmonia entre os dois. Ele funcionava para mim como uma tela de um pintor, e era ali que eu canalizava os meus sentimentos. Algo tão desvalorizado e barato foi tomado como uma manifestação artística.

Até os 12, você não desenvolvia frases completas em português. O que o ajudou a dominar tão bem a língua portuguesa?

Minha mãe é brasileira e conheceu meu pai na Suíça. Ele recebeu uma proposta para trabalhar no Chade, na África. Lá, as escolas são apenas francesas, então fui alfabetizado nesse idioma. Só tive contato com o português quando voltei para o Brasil. Eu falava muito mal e essa distância da língua me obrigou a prestar atenção nas palavras. Via o desenho das palavras e procurava um significado, buscava um sentido delas em mim. Eu brinco com as palavras, com a grafia e com a pronúncia delas. Inclusive, alguns guardanapos funcionam melhor quando lidos em voz alta. E devo isso a esse tempo longe da língua portuguesa, que me obrigou a ser mais atencioso na hora de escrever.

Quem são suas referências literárias?

Minha formação em comunicação social me ajudou a conhecer pessoas cheias de referência, não só textual, mas principalmente visual. Conheci o Liniers, um quadrinista argentino que me fascinou. Entrei na agência querendo ser redator, mas saí com uma referência visual que me ajudou a criar meus guardanapos. Mas gosto de ler romances Mario Benedetti e Gael García Marquez ; prefiro os caras que dizem muito em poucas palavras. Sempre leio Paulo Leminski, Mário Quintana, Millôr Fernandes, principalmente quando estou em crise de inspiração.

Como foi o processo de nascimento do livro?

Foi um convite da editora. Eles queriam trazer toda essa experiência do mundo online para um experiência real. Para quem me acompanha e também para trazer encantamento para quem não conhece o que eu faço. Cerca de 90% do material do livro é inédito. A frase, o desenho e a composição nunca foram postados.

Como foi a escolha dos guardanapos para o livro?

Muito difícil. Tenho mais de mil prontos. Levei para a editora e, depois de muita reunião, selecionamos 95. Depois da seleção, o outro passo foi saber como apresentar as obras no livro. Queríamos que houvesse uma comunicação entre o fundo e as obras. Algumas fotos eram de álbum de família, outras com ramos de fotógrafos, e fomos escolhendo um a um para que houvesse uma interação.

A fonte em que você escreve seus versos se tornou uma marca própria. Como foi chegou até ela? Foi algo intuitivo ou construído?

Foi intuitivo. Dou risada quando vejo os primeiros desenhos, era quase uma letra de criança. Fui melhorando com o tempo, após muitos testes. Ela acabou nascendo naturalmente. Nunca pensei em criar uma fonte própria. Algumas pessoas têm dificuldade de ler algumas frases, mas acho legal ver que ela se tornou um desenho. Eu gosto de dizer que são versos desenhados.

O livro segue uma cronologia, assim como em romances. Em qual estilo literário você o enquadra?

O livro é de arte e te dá duas propostas de leitura. Uma é aleatória, em que você abre e lê qualquer página. Tem também uma leitura sequencial. Procuramos narrar uma história das aventuras amorosas e boêmias do Antônio. É interessante mostrar essas duas maneiras de enxergá-lo. É difícil classificar como poesia, ficção ou autoajuda, mas não penso muito nisso. Se a mensagem chegar, ótimo, independente da classificação. Eu chamo de romance com palavras desenhadas.

Suas frases se enquadram nos textos curtos e nos poucos caracteres que a internet exige. Acredita que isso o ajudou consolidar seu trabalho?

Sem dúvida. A informação, quanto mais atraente no conteúdo, gera mais atração. Mas meus versos partem muito das minhas referências literárias e a minha formação publicitária me obriga a ter um raciocínio rápido e conciso. Isso auxilia meu pensamento e, consequentemente, aumenta a velocidade de produção.

Pensa em trabalhar com outros formatos, além do guardanapo?

Sempre paro para pensar onde tudo começou. Vou continuar criando em guardanapo, mas já vejo a necessidade de testar em outros formatos. Eu pinto e faço xilogravuras. Eu escrevo poesias também, mas são coisas diferentes. No entanto, continuo experimentando muitas coisas, pois, para mim, criar é uma necessidade.

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