Diversão e Arte

Professora e motoboy protagonizam história dramática e cheia de suspense

Nahima Maciel
postado em 21/01/2014 09:54

Os pais de Vitória e Nando morrem e os deixam órfãos ainda criançasCarla Vitória Valentina é professora por formação, e faz bicos como babá para sobreviver. Nando é um motoboy que perambula pelas ruas e vende fotos para o portal de internet mais lido da cidade. Os dois cresceram juntos em circunstâncias dramáticas na favela: um casal rouba e mata outro casal de vizinhos. Na fuga, os criminosos morrem em um acidente de trânsito. Vitória e Nando, filhos das famílias envolvidas, crescem órfãos e tendo apenas um ao outro.

O eixo principal da história é desencadeado quando, Nando, em uma das noites em busca de escândalos para fotografar, vê um conhecido e conceituado empresário em plena negociação com um traficante. A situação foi arquitetada pelo dono do portal de notícias para flagrar ambos. Nando pega o dinheiro, supostamente perdido na negociação, mas as coisas não são exatamente como o rapaz pensa ter acontecido.

O flagrante é, na verdade, uma armadilha contra o protagonista, que fica com um montante incontável, mas de notas rastreáveis. Com a quantia em mãos, ele deve ficar longe de Vitória, que, por sua vez, tem de se livrar de uma proposta de casamento de um patrão que acabaria com as pretensões de futuro como professora. No meio de toda essa confusão, começa uma perseguição implacável aos dois amigos de infância.


Leia entrevista completa com Elvira Vigna, autora de Vitória Valentina:


Nos agradecimentos, você dedica o livro aos autores que são sistematicamente recusados pelas editoras e revela que Vitória Valentina passou por isso. Como foi o processo de publicação? Por que acha que foi recusado? Afinal, teus romances são publicados pela maior editora do país, que publica também quadrinhos;

Esse livro foi recusado duas vezes por todo mundo. É meu recorde de rejeição. Houve uma primeira versão, muito antiga, chamada "quinze momentos de paixão". o título se deve a um enfoque maior que as fantasias eróticas da personagem principal tinham nessa primeira versão. o tratamento já era um quase-quadrinhos. Os tais quinze momentos vinham enquadrados e separados da narrativa principal. Isso foi lá pela década de 1990, acho. Apesar do tom irônico do texto, um dos editores que recusaram, a Rocco, achou que eu estava fazendo literatura de mulherzinha. Os outros não deram explicação. A segunda versão foi feita no fim de 2010, começo de 2011. Falei dela para a Companhia das Letras que me mandou submeter o original à editoria infantil. Depois de vários meses, recebi um comunicado de recusa, sem explicações. procurei vários outros editores. Nenhum quis. Voltei à companhia das letras, pensando que a editoria de quadrinhos talvez quisesse. Não quis. Nessa segunda versão não recebi nenhuma dica de ninguém sobre motivos de recusa. A Tereza e o Fernando, da lamparina, são meus amigos pessoais. temos um quase-trato. Volta e meia eles precisam de imagens. Faço baratinho. Quando preciso de ajuda, eles também me ajudam. No caso do Vitória Valentina me comprometi a comprar 250 exemplares. Em geral, compro isso mesmo ou quase isso de todos meus livros. E vou dando pra professores, amigos e tal. A garantia de compra, no caso de uma editora tão pequena, é importante. Os orçamentos deles são sempre apertados. Me disseram que fariam de qualquer maneira. Mas sei que isso foi importante.


É teu primeiro livro de quadrinhos (é melhor o termo novela gráfica?)? Pode contar como nasceu e por que decidiu pelo formato? A história de Carla e Nando poderia ser um romance?

A escolha pelo tratamento de história em quadrinho tem três motivos fortes e outros menorzinhos. Primeiro motivo forte: eu estava louca de vontade de experimentar a linguagem, que considero fascinante. Tenho mesmo um texto teórico sobre isso, que fiz para uma apresentação na UnB. Está no meu site: http://vigna.com.br/wp-content/uploads/2011/05/divunb01.pdf. Segundo motivo forte: como eu disse, o livro veio, desde sua primeira versão, meio que dividido assim mesmo, em imagem e texto. Desde o começo tinha coisas que precisavam ser expressas visualmente. Não bem "ilustrações", mas a imbricação imagem-texto, mesmo. Terceiro motivo forte: a origem dessa história é real. O roubo entre vizinhos de uma favela, seguido da morte de todos os participantes, me foi contada por um menino do complexo do alemão. Eu fazia uma oficina de leitura para jovens da comunidade. Nunca esqueci. Tanto que não joguei o texto fora, depois da enxurrada de recusas da primeira versão. Não consegui. Acabei fazendo a segunda. E o tratamento de desenhos sujos em uma história em quadrinhos feita a lápis foi o que me pareceu o mais "certo" para o que eu tinha a contar. Agora um motivo menorzinho: história em quadrinhos dá um puta de um trabalho. Digo, quando feita assim, como essa, inteirinha por uma só pessoa. E nessa época, fim de 2010, eu estava precisando de uma terapia ocupacional. O Nada a dizer tinha provocado um retorno muito grande de leitores e críticas. E eu precisava de algo que fizesse eu me desligar dele. Trabalhar noite e dia em desenhos altamente detalhados, e a lápis, deu conta da missão.

Existe, no livro, a vontade de juntar as duas práticas ; artes plásticas e escrita ; que há décadas marcam o teu trabalho? Pode-se dizer que é a primeira vez que você junta a literatura com o desenho?

Tem essa ideia de que história em quadrinho é simplesmente a junção de texto com imagem. Não é. É muito mais do que isso. Vou tentar um resuminho do meu texto teórico: você tem duas linguagens (texto e imagem). E tem também dois eixos narrativos: o que corre na horizontal, com uma página depois da outra. E outro que corre em perpendicular ao leitor, chegando "perto" em camadas e mais camadas. Pois há a página em branco (primeira camada), os quadrinhos desenhados sobre ela (segunda camada). E você pode pôr mais camadas com textos, interjeições ou desenhos, cada vez mais "perto" do leitor. O eixo horizontal é o lógico, a sequência lógica da história. O eixo perpendicular é o emocional, a importância psicológica de um barulho, da entrada em cena de um personagem etc. O eixo perpendicular tem um tempo diferente (mais rápido) do que o eixo horizontal, que ele interrompe. A imagem tem um tempo diferente (mais rápido) do que o texto que ela interrompe. Em outras palavras, você leva bem mais tempo lendo do que vendo. E, para piorar, nem sempre a imagem é uma imagem, às vezes é um texto (;bum!'). E nem sempre o eixo perpendicular é o emocional. Pode ser explicativo (mão na maçaneta de uma porta em primeiro plano, por sobre os quadrinhos). A manipulação desses tempos diferentes das duas linguagens intercambiáveis nos seus dois eixos também intercambiáveis, dá ao autor dos quadrinhos uma presença absurda. Por exemplo, o cinema. O único controle do cineasta sobre o tempo de recepção da obra é o da duração total dela. O cara vai ficar na cadeira uma hora e vinte minutos ou sai no meio. Num livro ilustrado é menos ainda. O cara para no trecho que bem entender, relê ou fica vendo figurinha como quiser aqui não. Você "fala" com o leitor. Você está emocionalmente presente. Isso, claro, em uma história em quadrinho autoral, como é a minha. Produtos da indústria de massa não tem presença alguma. Não tem "autor". Tem receita. Só manipulação mesmo.

Por que escrever histórias como essa?

Vou interpretar, eu, sem base, o que você quer dizer com "histórias como essa". vou achar que são histórias com personagens negros, pobres, gays, fodidos. literatura e arte reproduzem as culturas que lhes dão origem. mas antecipam mudanças. quem sabe muda. não fiz Vitória Valentina pensando em nenhuma bandeira a ser levantada em prol disso ou daquilo. É uma história que eu conhecia e que queria contar. Mas minha existência ; e principalmente minha sobrevivência ; talvez seja indicação de uma brecha. Eu acho que é. Faço de tudo para que a brecha continue existindo e aumente. Quem sabe rui.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação