Diversão e Arte

"O que eu queria era aventura", diz fotógrafo dos principais ícones do rock

O fotógrafo inglês Mick Rock, que registrou a cena do rock entre os anos 1970 e 1990, faz exposição em São Paulo e participa de júri de festival de vídeo

Nahima Maciel
postado em 29/03/2014 06:04

O fotógrafo inglês Mick Rock, que registrou a cena do rock entre os anos 1970 e 1990, faz exposição em São Paulo e participa de júri de festival de vídeo

Era difícil não se encantar com David Bowie. Quando se deu conta do fascínio exercido pelo cantor, o fotógrafo Mick Rock nem tentou se esquivar. Mergulhou com vontade no mundo glam-punk de Bowie naquele março de 1972 e voltou de lá, quase quatro décadas depois, com um dos registros fotográficos mais consistentes da cena do rock dos anos 1970, 1980 e 1990. São dele quase todas as fotos que ajudam a traçar a trajetória do cantor e compositor inglês em David Bowie is, exposição vista por milhares de pessoas no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Rock desembarcou na capital paulista na quinta-feira para inaugurar a instalação fotográfica It;s rock, que faz parte da exposição do MIS, e para integrar o jurado do Music Video Festival.

Leia mais notícias de Diversão & Arte

Nas imagens, além de Bowie, há figuras recorrentes, como Lou Reed, Iggy Pop, Debbie Harry (Blondie) e integrantes do Ramones. Gente que Rock cruzou, registrou e seguiu ao longo de décadas, feito que acabou por colar no fotógrafo a legenda de "o homem que fotografou os anos 1970". Mas ele detesta rótulos. Faz caso da ideia de uma frase, filme ou livro que tente defini-lo. Também não gosta de se imaginar como um fotógrafo profissional. A fotografia, ele brinca, foi uma apenas uma maneira de evitar uma carreira. Nascido em Londres há 66 anos, Rock costumava ouvir da mãe que escolhera "essa coisa de fotografia do mundo pop" para não ter que trabalhar. E ela estava certa. "Eu gostava de ir para a cama tarde e não ter que me levantar antes do meio dia! Eu era um boêmio nato! Na verdade, eu nunca pensei no que fiz como uma "carreira". Essa é uma palavra que as outras pessoas usam. Eu nunca planejei isso. Como poderia? A maneira como tudo aconteceu não faria o menor sentido para ninguém", conta o fotógrafo, em entrevista ao Correio. "O que eu queria era `aventura;, não algo prosaico ou mundano como uma `carreira;. Eu queria ter certo tipo de experiências, como aquelas dos meus herois, que eram na maioria poetas boêmios como Baudelaire, Rimbaud, Coleridge, Byron, Shelley, Grinsberg e Kerouac".

O fotógrafo inglês Mick Rock, que registrou a cena do rock entre os anos 1970 e 1990, faz exposição em São Paulo e participa de júri de festival de vídeo

Entrevista com Mick Rock

Bowie não era muito conhecido quando você o encontrou pela primeira vez, em 1972, mas vocês se conectaram imediatamente. Por que?


Alguém me deu uma cópia promocional de Hunky Dory (que não foi, de jeito nenhum, um sucesso na época do lançamento) e eu adorei. Especialmente Life on mars. E eu quis saber mais sobre ele. Eu costumava fazer entrevistas naquela época, e ilustrava com minhas fotos. Então eu procurei o pessoal da Relações Públicas ddele, fui a Birmingham Town Hall, no começo de março de 1972, onde havia apenas 400 (mas entusiasmadas) pessoas e fiquei hipnotizado pela performance dele; a música e a performance. Uns dias depois eu fui à sua casa, for a de Londres, e o entrevistei. Descobri então que tínhamos certos gostos e interesses comuns.

Como você começou a trabalhar com ele e qual foi sua primeira impressão de Bowie?


Depois desse primeiro show e entrevista, ele me convidou a passar um tempo com ele, a ver os shows, me convidou para jantar, para ir ao teatro, aos seus clubes favoritos etc e isso foi crescendo e crescendo. Ele era um personagem charmoso e fascinante e eu não me cansava dele. E bem na frente de meus olhos, a audiência dele foi crescendo e crescendo e eu fiz alguns filmes, muitos stills, mais entrevistas. Me tornei parte de suas crescente e envolvente tapeçaria. Ele era muito articulado, extremamente ambicioso, um compositor e um músico brilhantes e um personagem único.

Você costuma dizer que fotografar era apenas uma maneira de evitar ter uma carreira. Ainda pensa assim?

Eu apenas repito algo que minha mãe me disse! Ela, na verdade, disse: "Eu sei que você está fazendo essa coisa de fotografia pop apenas para evitar ter um trabalho de verdade." E claro que havia uma verdade nisso! Eu gostava de ir para a cama tarde e não ter que me levantar antes do meio dia! Eu era um boêmio nato! Na verdade, eu nunca pensei no que fiz como uma "carreira". Essa é uma palavra que as outras pessoas usam. Eu nunca planejei isso. Como poderia? A maneira como tudo aconteceu não faria o menor sentido para ninguém! O que eu queria era "aventura", não algo prosaico ou mundano como uma "carreira". Eu queria ter certo tipo de experiências, como aquelas dos meus herois, que eram na maioria poetas boêmios como Baudelaire, Rimbaud, Coleridge, Byron, Shelley, Grinsberg e Kerouac (que, no entanto, é mais visto como romancista, embora fosse realmente um poeta de prosa). Claro, muitos deles se envolveram com experiências dos sentidos, da vida interior, da expansão da consciência e da química.

Hoje em dia, você escolheria Londres ou Nova York?

Passei metade da vida em Londres e metade em Nova York. Amo as duas cidades. A relação entre essas duas cidades, o intercâmbio, sempre moldou a base de toda a cultura moderna. Eu visitei muitos lugares e adoro viajar. Mas não poderia me fixar em lugar nenhum. Vivi em Nova York nos últimos 30 anos e é onde estou agora. Mas vou a Londres com frequência e ainda gosto muito de ficar por lá.

Por que você está fascinado por fotografar o Kabuki? Pode falar um pouco sobre o livro?

Isso sempre me fascinou desde que conheci um mímico chamado Lindsay Kemp. Ele era o mentor teatral de Bowie. Ensinou a ele tudo sobre o palco: a importância da mímica, maquiagem, projeção, representação etc. David me apresentou a ele em 1972. E Lindsay me inciou no Teatro Kabuki. E claro, o Kabuki foi uma influência muito importante para o personagem Ziggy, que David inventou no final de 1973. Ele voltou do Japão em 1973 com todos aquels figurinso selvagens desenhados por Kansai Yamamoto.

E finalmente, em 2003, eu fui convidado para fazer uma imensa exposição no Metropolitan Museum of Photography de Tóquio, que foi um sucesso: ficou em cartaz durante seis meses, o que é muito incomum. As pessoas que organizaram me perguntaram o que eu gostaria de fazer depois e eu disse "Kabuki"! Então, eles me apresentaram Kanzaburo Nakamura, que era o produtor e ator mais famoso do Kabuki Japão moderno. Então, fotografei Nakamura e sua companhia em Nova York e Tóquio. Ele me deu um acesso irrestrito, coisa que nunca havia dado a nenhum fotógrafo não-japonês: ensaios, cenografia, bastidores, performances, retratos etc. Foi uma experiência muito bonita. E como resultado, fiz um livro com Kanzaburo intitulado Tamashii: Mick Rock Meets Kanzaburo e uma grande exposição em Tóquio, em 2008, que foi muito midiática porque Kanzaburo é muito famosos. Ele se tornou um bom amigo, apesar de toda nossa comunicação ser feita através de um intérprete! Infelizmente, ele morreu em 2012, aos 57 anos. Ele era um grande talento e um ser humano comovente.

O que você preferia: fotografar uma capa de disco ou um backstage?

Hoje em dia, prefiro situações mais controláveis. Não precisa ser uma capa de disco. Eu gosto de coreografar uma sessão, seja no estúdio ou em uma locação. Eu sintonizo e foco o processo para priorizar a energia da situação. Não sou apenas um observador. Eu tento direcionar e provocar o círculo da concentração e realmente gosto disso.

Você fotografou muitos astros do rock e uma enorme variedade de personagens que gravitavam em torno dessa cena. Poderíamos dizer que você fez um perfil da cena do rock dos anos 1970, 1980 e 1990?


Você pode dizer o que quiser! Não cabe a mim definir minha contribuirão para a cultura do rock. Eu faço o que faço e fiz o que fiz. Se você encontrar algum sentido nisso, fico contente. Eu apenas me sinto muito feliz de ter tido toda essa liberdade para experimentar e investigar áreas que me interessavam e de ter sobrevivido o suficiente para curtir os frutos de minhas atividades. Houve vários altos e baixos e eu tive minha cota de experiências negativas (como uma cirurgia para colocar um marca-passo há 17 anos e um transplante de fígado em dezembro de 2012)! Mas hoje tenho uma vida muito positiva e completa.

Você gostou do documentário que foi feito sobre sua vida?

Não sei se "gostei"! Mas fiquei bem interessado no trabalho, mas o diretor insistiu em fuçar minha vida privada, que não era uma coisa que eu particularmente quisesse. Mas claro, tive que permitir; até um certo ponto! Como disse a ele, há muitos segredos que nunca serão contados e fotos que nunca serão vistas. Esses são apenas para meus pensamentos e meus olhos. Apesar disso, foi uma experiência interessantge. Insisti em algumas mudanças quando vi o corte incial, em dezembro. O diretor trabalha agora nessas mudanças. E os produtores esperam lançar no Festival de Toronto, no início de setembro. Claro, eu tenho sentimentos mistos sobre o filme e sempre vou ter. Não gosto da ideia de que ele pode, de alguma forma, me definir. É muito simplista. Todas as vidas são complexas. E nunca vai parecer satisfatório, da minha perspectiva. Mas agora é tarde de mais! Muito tempo e dinheiro foram gastos no documentário e ele vai ser lançado! Eu posso me arrepender, mas vou ter que conviver com isso!!

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação