postado em 05/04/2014 08:02
Editor do jornal The rocket, Charles R. Cross estava sentado em seu escritório, em Seattle, refletindo sobre o porquê de a cantora Courtney Love ter adiado mais uma vez a entrevista que daria à publicação. Era começo de abril de 1994. Desta vez, entretanto, a vocalista da banda Hole faltou ao compromisso porque estava à procura do marido, Kurt Cobain. O líder do Nirvana seria encontrado sem vida no dia 8 daquele mês. Mas a morte do vocalista, aos 27 anos, ocorreu três dias antes, há exatos 20 anos. ;Tive a pavorosa tarefa de cancelar a capa da semana seguinte com a Courtney e colocar a foto de Kurt;, lembra Cross, em entrevista exclusiva ao Correio.
Ícone dos anos 1990 e principal representante da cena grunge de Seattle, Kurt Cobain seguiu pautando a música e o showbiz nas duas últimas décadas. Embora oficialmente o vocalista tenha se matado com um tiro na cabeça, em casa, existem algumas correntes que, ainda hoje, questionam essa versão. A própria viúva, Courtney Love, à época, levantou a hipótese de homicídio ; embora tenha admitido tentativas anteriores de suicídio do parceiro. Quando foi encontrado, Kurt tinha uma espingarda a seu lado e havia deixado uma suposta carta de despedida.
Depressivo e viciado em heroína, o autor de Come as you are e Smells like teen spirit tinha dois casos de suicídio na família. Contudo, vários detalhes pendentes durante a investigação da morte dele deram margem a teorias conspiratórias. Detetive particular contratado por Courtney, Tom Grant foi quem levantou os detalhes mais relevantes sobre um possível assassinato. Fotos inéditas do local do óbito foram descobertas pela polícia de Seattle há alguns dias. Contudo, como o material não trouxe dados diferentes ao episódio, a conclusão oficial continuou a mesma.
Há quem acredite que teria sido a própria viúva a responsável pelo crime. Essa hipótese foi transformada em filme. Batizado de Soaked in bleach (;mergulhado em água sanitária;, em livre tradução), o longa de ficção dirigido por Benjamin Statler deve estrear em breve nos EUA e promete aquecer a polêmica. Courtney Love deu de ombros para a produção, e anunciou que um musical da Broadway sobre Kurt pode rolar ainda em 2014.
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Charles R. Cross, autor da biografia Mais pesado que o céu (Editora Globo, 2002) e do recém-lançado Kurt Cobain ; A construção do mito, ironiza as teorias conspiratórias. ;Tem gente que acha, também, que a chegada do homem à Lua é falsa. Não há nenhum indício que sugira que a morte dele não tenha sido um suicídio;, defende.
Também biógrafo do roqueiro, o escritor norte-americano Jeff Burlingame discorda das versões que duvidam que o ídolo tirou a própria vida. ;Eu até admito que algumas das questões levantadas por quem acredita em homicídio são intrigantes. Gostaria que um investigador independente tivesse acesso a todos os detalhes e esclarecesse de vez essas dúvidas;, comenta.
Vida conturbada
Para Charles R. Cross, a vida e a morte conturbadas de Kurt mudaram um pouco o modo como a sociedade enxerga e trata tabus, como o suicídio e o vício em drogas. ;Ele ainda existe enquanto um músico influente. O aspecto ;celebridade; de Kurt é infinitamente menor se comparado à contribuição musical dele. As canções que fez foram de grande impacto e continuam a encontrar novos públicos;, observa.
Burlingame ; nascido em Aberdeen, mesma cidade do músico ; é autor de Kurt Cobain: oh well, whatever, nevermind (Editora Enslow, 2006, não lançado no Brasil), em que aborda as duas versões para o fim do artista. ;Deixo os leitores tirarem suas conclusões.; Quando soube da morte de Kurt, pela tevê, o escritor conta que pegou seu baixo e o destruiu ao batê-lo em uma das paredes de casa.
Três perguntas / Bob Hunter, professor de Kurt Cobain
Kurt foi seu aluno de artes entre 1983 e 1985, quando ainda era adolescente?
Sim, convivi com ele em sala de aula dos 15 aos 17 anos. Era um artista talentoso, sabia desenhar e pintar muito bem. Se ele não tivesse optado pela carreira musical, uma boa aposta é que ele poderia ter sido um artista plástico, talvez um pintor.
Lembra-se de alguma passagem engraçada com ele?
Ele estava sempre desenhando os Smurfs. Geralmente, eles estavam se atacando e sangrando, feridos por arcos e flechas. Lembro-me, em particular, do Vovô Smurf com um arpão enfiado no peito. Uma vez, coloquei rock para tocar em sala enquanto a turma pintava, o que foi suficiente para que Kurt criticasse com muita rispidez e sarcasmo o Top 40 da época. Geralmente, ele estava certo e recebia muita atenção dos colegas.
É verdade que você era o professor preferido dele?
Sim, eu era. E era também um modelo positivo para ele. Tivemos uma relação honesta e aberta entre professor e aluno. Ele tinha amigos, mas parecia gostar de estar sozinho na maior parte do tempo.