Diversão e Arte

Ana Miranda e Ana Maria Machado falam sobre literatura escrita por mulheres

As escritoras debatem também as polêmicas classificações de gênero na 2ª Bienal do Livro e da Leitura

Nahima Maciel
postado em 15/04/2014 08:32

Se a literatura feminina brasileira tivesse um rosto, ele seria o da língua portuguesa, com toda a diversidade de expressões nela contida. A definição é de Ana Miranda, que participa hoje do seminário Literatura no feminino ao lado de Ana Maria Machado. As duas vão conversar sobre a perspectiva feminina na escrita literária e a polêmica classificação de gênero.


Nem sempre essa distinção agrada às autoras, que se sentem rotuladas como se pertencessem a um gênero menor. ;É um modo equivocado de ver o assunto, que limita a literatura à condição do autor;, acredita Ana Miranda, cronista do Correio Braziliense.

Ana Maria Machado também é reticente quanto ao tema. ;Não acredito em literatura feminina, então não faço ideia em que ela consiste nem que cara possa ter a brasileira;, diz a autora de Infâmia. Para Ana Miranda, o problema de falar em literatura feminina está em supor que mulheres escrevem apenas sobre temáticas relacionadas aos seus universos, o que é um erro. Basta um passeio pelas prateleiras de qualquer livraria para constatar a diversidade temática produzida por autores do sexo masculino e feminino.

Leia entrevista completa com Ana Miranda

Você participa da mesa Literatura no feminino. Existe uma literatura feminina e em que ela consiste?

[SAIBAMAIS]Costuma-se chamar de literatura feminina àquela escrita por mulheres, é um modo equivocado de ser ver o assunto, que limita a literatura à condição do autor. Nem sempre são tratados assuntos da vida feminina nos livros escritos por mulheres, como o caso do meu romance Boca do Inferno, que foi chamado de livro másculo, por tratar de uma sociedade colonial. As "questões femininas", por outro lado, podem ser encontradas em livros escritos por homens, e alguns mesmo narram numa primeira pessoa feminina. Chamar assuntos de femininos é um perigo, muitas vezes isso encobre uma tentativa de limitar a mulher a um gueto literário, onde só é legítimo falar de amor, namorados, maridos, lar, o desafio da dupla jornada, filhos, educação, cozinha, batom, moda, corte e costura... Como nas revistas "femininas". Nada contra esses assuntos, todos são dignos de entrar na literatura, um grande autor transforma qualquer minúcia do cotidiano em alta literatura, mas não é possível aceitar-se uma limitação. Além disso, chamar uma literatura de feminina é uma forma de criar um sub-gênero. A literatura é a literatura, seja quem for o autor, seja qual for o tema ou o modo de abordagem. Qualquer adjetivo para a literatura é uma rotulação meramente figurativa, para uma localização superficial. O que existe num livro de literatura é tão vasto que nenhum adjetivo dará conta dessa amplidão. Mas as pessoas precisam dessas classificações, e chamam de literatura histórica, romântica, urbana, bucólica, noir, brutalista, simbolista, florestal... a algo que é literatura ponto final. Esses adjetivos comentam apenas uma das características de algum livro. Gostaria de saber por que não há política feminina, sociologia feminina, medicina feminina, antropologia feminina, imprensa feminina, filosofia feminina...

Pode contar um pouco sobre o que pretende falar na abertura do debate?

Creio que será um bate-bola, com perguntas feitas pelo escritor e jornalista Severino Francisco, seguido de conversa com o público. É uma maneira viva e espontânea, com uma maior comunicação entre autores e público, momentos imprevistos, sempre funciona bem, as pessoas adoram. Os assuntos das perguntas serão, claro, em torno da literatura no feminino, e imagino que também sobre as nossas experiências como mulheres escritoras, a Ana Maria Machado e eu.

A literatura feminina brasileira tem uma cara? Você tem especial apreço por personagens femininas?

Há um rosto que pode conter o leque aberto da literatura escrita por mulheres, desde Clarice, a Rachel de Queiroz, desde Maria Teresa Horta à mais jovem de nossas escritoras atuais, falando em extremos tão opostos. Esse rosto é a nossa língua e o modo como nos expressamos através dela. Eu não consigo ver com muita nitidez esse nosso modo, mas quando leio literatura de outro país percebo claramente, talvez por conhecer menos as sutilezas, por exemplo o modo norte-americano de escrever me parece bem nítido, a forma como eles vão construindo seu pensamento... o modo francês, alongado, repleto de devaneios, eloquente... talvez o modo brasileiro seja caracterizado por uma construção sinuosa, não muito objetiva, e emocional...

Sobre personagens femininas, não sei se elas predominam no meu rol de favoritos, porque tenho paixão tanto por personagens mulheres como homens. Capitu é tão fascinante quanto Bentinho, e Riobaldo tanto quanto Diadorim. As mulheres de carne e osso e espírito são apresentadas como seres mais encantadores e complexos do que os homens, são mais sutis, mais graciosas, delicadas, se movem com mais beleza... Mas isso não se repete nos personagens, porque personagens são feitos de outra matéria: a palavra. Para mim os personagens não são verdadeiros homens ou mulheres, são construções simbólicas da humanidade.

Hoje
; Narrativas contemporâneas da história do Brasil ; com Lilia Schwarcz, Marco Aurélio Schaumloeffel e Rafael Sanzio. Às 17h, no Auditório Jorge Amado.

; Literatura no feminino ; com Ana Miranda e Ana Maria Machado. Às 19h, no Auditório Jorge Amado

; Homenagem Nacional ; Com Ariano Suassuna. Às 20h, no Auditório do Museu Nacional da República.

; Shows da resistência ; Com Quinteto Violado. Às 22h, na Praça do Museu Nacional da República

Senhas serão distribuídas no local.

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