Ricardo Daehn
postado em 24/05/2014 06:00
;É um nome comum para a congregação: os jesuítas, historicamente, vieram para catequizar. Minha bisavó, que era muito religiosa, batizou meu avô assim. Sou o terceiro da geração;, explica o ator Jesuíta Barbosa, uma das pontas do alvoroço em torno de Praia do Futuro. Ele, que se diz ;encaminhado; nas artes pelo diretor Hilton Lacerda (do premiado longa Tatuagem), aos 22 anos, já tem no currículo a minissérie Amores roubados, com Cauã Reymond e Ísis Valverde. ;Eles foram incríveis: vieram com a experiência de tevê, e eu repassei a eles a sabedoria do sertão.;Além do novo desafio com a televisão, nas gravações na novela O rebu, Jesuíta tem duas apostas no cinema: o já filmado Jonas e a baleia e o projeto O grande circo místico, com com Cacá Diegues. Engajado em filmes incandescentes, como Praia do Futuro, Jesuíta não cultiva postura de afronta. No fogo da polêmica, reflete: ;Fico é triste, ao ver um país careta, mascarado. Ainda existe preconceito a ser enfrentado. Há muitas barreiras por serem quebradas, saltadas. O Hoje eu quero voltar sozinho é outro filme que acho incrível. Ele é muito delicado, chega diferente do Praia. De certa maneira, Hoje pede licença para a abordagem gay. O Praia vem potente nas cenas e no tratamento do tema;, diz.
Praia do Futuro
Esperava uma resposta um pouco preconceituosa, pelo filme tratar tão abertamente as cenas de sexo. Fico triste de ver isso virar notícia. O Brasil está muito careta. A gente está num momento de transformação, de abertura. Homossexuais e suas questões estão na televisão. Mas recebem melhor quando é cômico. Como verdade, como fato, tudo gera um incômodo. Não entendo isso de as pessoas terem ameaçado gerente do cinema, por ele não ter ;alertado; das cenas do filme. Isso é burro, é algo ignorante. Aliás, os cinemas não têm nada que carimbar ;avisado; nos ingressos. Se não carimbam filmes que trazem cenas de amor hétero;
Formação
Nasci em Pernambucano e, logo, fui para Fortaleza. Fiz teatro no colégio, por sete anos. Tranquei a faculdade para trabalhar. Aprendo muito, na prática. Aprendo estudando em casa, lendo. Daí, veio o cinema com esse poder de engolir. Agora, estou descobrindo a telenovela, no remake de O rebu. Já sinto saudades do teatro, de estar no palco. Quanto ao vigor do cinema pernambucano, vejo que os produtos audiovisuais de lá são singulares.Há um tempo maior para se pensar. Pela limitação financeira, o cinema de lá se volta para o que é mais simples. Vem daí a originalidade e a propriedade que são visíveis.
Família
A minha família sempre me apoiou. Quando quis partir para as artes, minha mãe deu força. Existe, claro, isso de que não é lugar, às vezes, de ganhar dinheiro. Nem sempre, porém, a gente precisa disso para ser feliz. Sustentei minha vontade e deu certo. Meu pai, que é policial civil, foi mais sisudo, com aquilo do ;cabrão do interior;: ;tem que trabalhar;. Mas eu persisti. Não faria sentido fazer algo que não gostasse. Segui o instinto.
Beleza
Não acho que tenho a beleza de capa de revista. Mas eu não me acho feio, não: me acho é bonito. Minha beleza é diferente, errada. Aliás, me pergunto: ;O que é o belo?;. Quanto à questão da nudez em cena, posso dizer que eu já era despudorado antes da telona. Fiz muitos trabalhos com o grupo As Travestidas. Nunca tive problemas em ficar nu.
Função artística
Arte é quando a gente vive o presente com alegria, bondade e coragem. Fazemos arte o tempo todo. Meu ímpeto vem da sede de transformação. Arte vem da necessidade de se falar sobre algo, de modificar a cabeça das pessoas, no bom sentido. Vou assistir a uma obra disposto a receber o que vou assistir. As pessoas que saem do Praia do futuro me parecem incomodadas com algo que é meio reflexo delas. Pode vir do contato com um problema seu que está escancarado na tela. A arte opera, e a pessoa não aguenta e vai embora. O Praia veio, de certa forma, para polemizar. Ele é tão aberto e nos leva para vários temas que ultrapassam o da sexualidade. Fala de amor próprio, de amor entre irmãos, da solidão.
Assédio
Não gosto de falar de vida pessoal. Há tantas coisas interessantes para se conversar. Saíram umas notas dizendo que estou namorando alguém, e é estranho. Gosto é de falar do trabalho. Já ao assédio, reajo muito bem: não tenho nenhum receio. Guardo uma preocupação com minha vida pessoal, mas ainda não passei por situação drástica. As pessoas me param e elogiam. Não é algo que tome meu tempo. Levo a minha vida como antes: faço o que quero fazer, com toda liberdade para sair.
Televisão
A novela O rebu estou fazendo com o José Luis Villamarim, de Amores roubados; com o roteirista pernambucano George Moura, com Walter Carvalho, outro nordestino. Então, me sinto muito à vontade de fazer telenovela com um grupo que já conheço. A trama se passa numa festa, em que uma pessoa foi morta. Há exploração da investigação e do passado dos personagens, e todos são suspeitos. Faço um cara que assalta a mansão, à margem de uma elite. Ele tenta assaltar o lugar, mas gosta tanto de estar lá que vai ficando para a festa (risos). Na primeira versão, foi o Lima Duarte que fez. Lima é um ótimo contador de histórias: tive um encontro com ele, e fiquei muito admirado, ouvindo o que dizia; mas agora estamos noutra praia, num remake.