Quando Wagner Moura, um dos atores mais populares e admirados do cinema brasileiro, anunciou se sentir aliviado ao deixar o país para uma temporada de dois anos gravando uma minissérie sobre Pablo Escobar (uma produção internacional ligada ao cineasta José Padilha), todo mundo achou estranho. ;Sinto um movimento conservador muito forte vindo por aí;, afirmou em uma entrevista que deixou o público brasileiro perplexo. Na última semana, as palavras de Moura ganharam ares de profecia. O intérprete do personagem mais popular do cinema nacional pós-retomada, o viril Capitão Nascimento de Tropa de elite, encara um misto de admiração e rejeição ao seu novo longa-metragem, Praia do Futuro, em cartaz há duas semanas nos cinemas brasileiros.
[SAIBAMAIS]Donato (Wagner Moura), um salva-vidas de Fortaleza que decide deixar o Brasil para viver um romance com o alemão Konrad (Clemens Schick), enfrenta um acerto de contas com o irmão mais novo deixado no Brasil, Ayrton (Jesuíta Barbosa), anos depois. Numa narrativa exclusivamente masculina, há espaço para cenas de sexo homofoafetivas protagonizadas entre o brasileiro Moura e o alemão Schick. Esta semana, essas cenas viraram objeto de alarde em redes sociais do Brasil, dado o imenso número de relatos de evasão das salas de cinema antes do fim da projeção. Em alguns casos, porém, o mero ato de abandonar o cinema ganhou contornos homofóbicos visíveis.
O primeiro incidente aconteceu em Aracaju, com a ameaça de agressão física feita a um gerente de cinema perpetrada por dois clientes indignados com o conteúdo sexual do filme. No Maranhão, pelo menos 40 pessoas abandonaram uma outra sessão. Estas são as informações mais leves a circular na internet. Outros relatos se avolumaram. Um dos clientes da rede Cinepólis resolveu postar nas redes sociais um ingresso carimbado com os dizeres ;Avisado;, pretensamente relacionado ao aviso verbal sobre o conteúdo sexual do filme ouvido na bilheteria do estabelecimento. A polêmica de internet foi desfeita em poucas horas e a resposta da redes de cinema era de que o carimbo referia-se à apresentação de documento de meia-entrada e não ao conteúdo do filme.
Claro, os produtores reagiram. Na página oficial de Praia do Futuro no Facebook, uma campanha convida usuários a tentar movimentar a hashtag #HomofobiaNãoÉANossaPraia, relacionando espectadores e equipe do filme.
O cineasta Karim A;nouz (Madame Satã e O céu de Suely), diretor de Praia do Futuro, defende a obra contra qualquer rotulação. ;O filme não é gay. Acho um tanto homofóbico taxar qualquer filme como um filme gay. Quando você assiste Missão impossível ou Instinto selvagem você fica pensando que é um filme hétero? A gente precisa parar com isso. É politicamente perigoso. Estou ficando um pouco cansado;, desabafou A;nouz. ;A insistência para falar sobre a homossexualidade é maior no Brasil do que no exterior. Isso está ficando muito excessivo;, argumenta o cineasta, que apresentou o filme pela primeira vez no Festival de Berlim do ano passado.
À margem da polêmica
O empregado público Aderson Carneiro, 62 anos, sabia que Praia do Futuro tinha sido lançado em circuito comercial debaixo de muita polêmica e mesmo assim escolheu assistir ao filme. ;A homoafetividade não deveria causar mais polêmica hoje em dia. Não me choquei nem um pouco com o que assisti;, revelou. A servidora pública Ana Elite, 47, não sabia da existência do buruburinho virtual da última quarta-feira quando escolheu assistir ao filme, em sessão vespertina do Espaço Itaú CasaPark. Ao fim da sessão, a espectadora enalteceu o script do filme.
;As relações familiares são as que mais se sobressaem no conteúdo. As cenas de sexo me pareceram realistas. Mas são uma coisa secundária, não há nada ali feito para chocar;, comparou. A colega de trabalho de Ana, Angélica Cordeiro, 45, parece ter matado a charada: ;O que está acontecendo é que as pessoas estão detestando ver o ídolo global, o heroico capitão Nascimento, representando um papel gay. Na minha opinião, não há nada para chocar no filme;.