Preparando-se para comemorar meio século de carreira em fevereiro do ano que vem, Maria Bethânia volta a surpreender público e crítica com o lançamento de Meus quintais, disco de carreira conceitual, no qual canta como ninguém coisas do Brasil, como índios e povos, que considera os verdadeiros donos do país.
Com uma única regravação ;, o clássico Mae Maria, de Custódio Mesquita e David Nasser ;, o primeiro disco que Bethânia faz depois da morte da mãe, Dona Canô, na verdade segue a reconhecida linha de trabalho da artista que, nos últimos anos, brindou os fãs com pérolas fonográficas como Maricotinha (2001) e Brasileirinho (2003), entre outras.
Meus quintais abre (Alguma voz, de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) e fecha (Dindi, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira) com o requinte característico da cantora baiana, acompanhada, ao piano, por André Mehmari e Wagner Tiso, respectivamente. ;Trata-se de dois pianos diferentes e extraordinários. Felizmente, eles têm um entendimento do meu cantar;, disse na entrevista coletiva on-line, realizada na manhã desta quinta-feira, no Rio de Janeiro, onde vive a cantora baiana.
Entre uma faixa e outra, respinga a reconhecida brasilidade do repertório de Bethânia, que vai do samba de roda à folia de reis, passando por outros gêneros. A essência de tudo, claro, é a canção brasileira, à qual Maria Bethânia dispensa o carinho de sempre.
Do Xavante, de Chico César, aos Povos do Brasil, do novato Leandro Fregonesi, passando pela Lua bonita, de Zé Martins e Zé do Norte, Imbelezô eu/Vento de lá, de Roque Ferreira, e Uma Iara/Uma perigosa Yara, de Adriana Calcanhotto sobre texto de Clarice Lispector editado por Fauzi Arap e pela própria cantora, Bethânia é o que Chico César classifica como ;o arco da velha índia/ é corda vocal insubmissa;, em ;Arco da velha índia;.
Ela conta que a escolha da parceria de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro (Alguma voz) para abrir o disco foi feira porque, ;de algum modo, a canção é uma memória minha com os meus irmãos. Este disco é para os meus, para os da minha casa;, afirma. ;Deus sempre ali, na janela do horizonte, cantando, trabalhando.;
Infância
A presença de crianças nos vocais de Meus quintais, segundo a cantora, tem a ver com a rica formação vivida em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. ;A infância é o broto de tudo;, reconhece ela, que diz ter tido ;a felicidade de uma linda família, com oito irmãos e muitos primos em companhia dos quais curtiu a infância, com direito a ;educação muito boa, em escola pública, rigorosa, e muito amor;.
;Meus pais se amaram muito. Isto era nítido entre eles;, admite a cantora, cuja infância ;era festa o tempo todo;. ;A infância pode, sim, construir a pessoa;, diz Maria Bethânia, que pôde desfrutar de muita música em uma das principais fases da vida, conforme reflete agora em Meus quintais.
Enquanto em discos anteriores ela apresentava o sentimento do povo brasileiro, dessa vez ela canta o que é dela. ;Acho o quintal o melhor lugar do mundo, onde aprendi absolutamente tudo, com a característica liberdade do espaço;, afirma Bethânia. Caçula da família Veloso, a cantora lembra da sorte de ter os irmãos por perto na infância. ;Caetano está acima de mim. Sorte tê-lo nas brincadeiras, silêncios e observação do quintal;, reconhece. ;O quintal é família, sexo, agasalho. Tudo começa ali;, conclui a cantora, que segue fazendo o show Carta de amor.