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Cineasta questiona a Fifa e comenta as manifestações contra a Copa

Daniel Cohn Bendit ficou quatro dias no Brasil, fez entrevistas, escreveu sobre a cidade e registrou cenas para o documentário Futebol, o filme


Uma das primeiras paradas foi na casa do índio guarani Werá Jeguaka Mirim, autor do protesto que pedia a demarcação de terras indígenas durante a abertura do Mundial no Itaquerão. Desde então, Cohn Bendit já esteve em uma periferia que afastou a violência com saraus de poesia, entrevistou jogadores engajados política e socialmente, contou a história do jogador Sócrates e seu compromisso com a democracia e assistiu ao jogo do Brasil contra Camarões na Torre de TV. Ainda vai passar por Belo Horizonte e Salvador.

Leia a entrevista com Daniel Cohn Bendit

E como o senhor vê o futuro da Europa?


A construção europeia é algo mágico. Ninguém acreditaria, depois da Segunda Guerra, que conseguiríamos criar esse espaço político no qual, de repente, a guerra entre a França e a Alemanha se tornasse algo impossível. Ao mesmo tempo, é um momento histórico de ruptura com a ideia de que o estado nação, que levou dois ou três séculos para se formar, possa responder a todos os desafios da crise financeira, econômica e ecológica. Isso é uma transição histórica e leva tempo. Quando dizemos que a Europa está em crise, é verdade, mas a construção da democracia europeia é algo difícil. Quanto tempo a França levou para se tornar uma democracia entre a Revolução Francesa em 1789 e o direito de voto das mulheres, que é a igualdade, em 1945? São mais de 150 anos. A construção de um espaço político democrático é algo dificil, avança e retrocede. E agora estamos num período de recolhimento. Não há determinismo, não digo que a construção europeia vai ser um sucesso de qualquer jeito. O que digo é que é uma experiência histórica única que tem dificuldades. Sou otimista, acho que vamos superar as dificuldades, mas isso não está escrito no mármore.

E quanto à ecologia, o mundo está fazendo o suficiente?


De um lado, cada vez mais sentimos nas sociedades que o questionamento ambiental e ecológico se generaliza, mas ao mesmo tempo é muito difícil porque a ecologia é uma crítica tanto à direita tradicional quando à esquerda tradicional quanto a suas concepções de crescimento e desenvolvimento. Quando os ecologistas propõem algo ecologicamente, eles dizem algo muito simples: "se vocês vierem conosco, será muito mais difícil porque será preciso mudar os modos de vida". E mudar os modos de vida não é algo que se decreta de uma hora para a outra. Acho que há um recolhimento político da ecologia política hoje na Europa. Nos Estados Unidos, a temática do aquecimento climático vai e vem. Os partidos políticos sentem que é preciso fazer algo a respeito, mas como isso é algo em contradição com o funcionamento normal do capitalismo produtivo como ele é hoje, não se sai do lugar.

E no Brasil, o senhor vê algum progresso nessa área?

Visto de fora, acho que Marina foi a grande surpresa das últimas eleições presidenciais. De alguma maneira, ela é uma voz. O problema é que se você não for uma força política capaz de intervir também no espaço político tradicional, mesmo se houve uma agenda reconhecida, não adianta. Midiaticamente no debate social, não há a influência que deveria haver. Marina não conseguiu montar o partido, ela está em dificuldade política, sobretudo porque a linha do PSB e de Campos não é muito clara.

Temos uma bancada ruralista forte, com alguns membros aliados do PT, e que dificulta a aprovação de medidas de proteção ambiental.

Isso são as contradições da maioria do PT. Hoje, teoricamente, todo mundo compreende a defesa da floresta Amazônia, mas na prática vamos no sentido contrário. E visivelmente o Congresso não consegue uma maioria. Mesmo quando Dilma tenta bloquear, não bloqueia realmente. Faz-se qualquer coisa, na verdade.

Há também um projeto de emenda à Constituição (PEC 215/00) que propõe mudar a carta no que diz respeito à demarcação de terras indígenas. Uma parte dos deputados e senadores querem que essa competência deixe de ser da União e passe para as mãos do Congresso, que ficaria com plenos poderes para decidir o destino das reservas indígenas. O que o senhor acha disso?

É por isso que eles querem hoje que o Ministério da Justiça decida sobre a demarcação e proteção do território deles. Claro, se deixar o Congresso hoje decidir sobre isso, visto a maioria que se tem lá, os territórios indígenas serão cada vez mais renegados. Na Constituição alemã, há parágrafos que ninguém mais pode mudar. Por exemplo, a pena de morte. É proibida e não importa que maioria haja no Parlamento, ela não pode mudar isso. E outros parágrafos sobre a liberdade de expressão também. No Brasil, é preciso uma proteção constitucional na qual a proteção dos territórios pela União permaneça intangível. Senão, vai ser a pena de morte dos territórios indígenas. Não se pode deixar um debate sobre a pena de morte nas mãos de uma maioria qualquer. O que seria preciso é defender esses artigos da Constituição como se fossem intangíveis.

Qual o papel dos índios na temática ecológica?

Eles têm uma forma de vida muito mais ligada à natureza e ao funcionamento da natureza. Eles vivem na natureza. E foi, aliás, o que me surpreendeu quando fomos ver essa tribo guarany a quatro horas de São Paulo. Eles vivem como se estivessem na Amazônia. Não acredito que eles sejam tão minoritários para serem atores influentes da proteção do meio ambiente. Eles são a demonstração da necessidade dessa proteção.

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