Diversão e Arte

Documentário reconstitui trajetória polêmica do arquiteto Sergio Bernardes

Oscar Niemeyer protagonizou, ao lado de Sergio Bernardes, um portentoso %u201CFla-Flu%u201D em termos de preferência arquitetônica da elite

Ricardo Daehn
postado em 29/06/2014 06:00
A dois dias da inauguração do Mastro da Bandeira, Sergio Bernardes (c), em 1972

Um legado invejável e bem desconhecido dos brasileiros cerca a figura do arquiteto carioca Sergio Bernardes, que, morto há 12 anos, deixou fora de ordem, meio encostados, 22 mil documentos em acervo sob responsabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A vida dele, certamente, daria um filme; tanto que rendeu: o documentário Bernardes, recém-lançado na capital, retrato de uma mente grandiosa, ;um humanista, apartidário;, no entendimento do neto dele, Thiago, autor do argumento do longa. Atento à palavra ;partido;, por si só restritiva, o arquiteto tem traçada uma imagem doadora, desprendida. ;Sergio falava em compartilhamento, muito antes da internet;, ressalta, com a devida familiaridade, Thiago, também arquiteto.


;Temos assuntos ali guardados que dariam mais alguns filmes;, observa o codiretor de Bernardes, Paulo de Barros, entusiasmado pela riqueza da produção do homem que, só para Brasília, destinou a criação de mais de 15 encorpados projetos. ;Durante o processo do filme, nós acompanhamos a abertura de cerca de 35% do material da UFRJ. Ainda existe um tesouro a ser redescoberto. O acervo tem que ser aberto por uma equipe especializada e leva muito tempo para catalogar e restaurar todo esse material. Há um desejo de que o trabalho continue;, comenta o cineasta.

;O futuro é a coisa mais secreta que nós temos;, diz Sergio Bernardes em trecho do filme. Radical demais e um destemido piloto de carros de corrida, o cinebiografado não temia sair da mais óbvia rota pontilhada. Na década de 1960, ele reunia a nata de Ipanema e Leblon, na residência tornada ;embaixada cultural da cidade;, por onde desfilaram personalidades do porte da família Kennedy, de Brigitte Bardot e dos integrantes de Os Mutantes. Um dos pioneiros a ter acesso aos mapas da Nasa, em terras brasileiras, entre vários outros marcos progressistas, Bernardes, curiosamente, estabeleceu morada na Avenida Niemeyer.

Oscar Niemeyer protagonizou, ao lado de Sergio Bernardes, um portentoso ;Fla-Flu; em termos de preferência arquitetônica da elite, como destaca o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti, no documentário. Também escritor, Cavalcanti identifica ; em livro organizado ainda pela última mulher do arquiteto, Kykah ; a cisão e o questionado arranhão na imagem de Bernardes, perante segmentos da sociedade. ;Em certo momento, ele era identificado como de esquerda pela direita e de direita pela esquerda;, registra. Na capital, entre feitos como as obras do Clube Cota Mil e o Centro de Convenções, o profissional foi virtualmente crucificado pela interação com os governantes militares, ao assinar o projeto do Mastro da Bandeira Nacional, na Praça dos Três Poderes (inaugurado em 1972). Cem metros de altura distanciam o Símbolo Nacional do chão, no desenho idealizado por Bernardes.

"Infelizmente, foi o homem mais interessante da minha vida", reclama, com certo orgulho, Christina Bernardes, a descolada filha do arquiteto, num momento do documentário assinado por Gustavo Gama e Paulo de Barros. Para além do campo profissional, por si só revelador na trajetória do arquiteto, o documentário avança para flancos pessoais do incansável pensador, morto, aos 83 anos, por complicações geradas a partir de derrame cerebral.

"O que mais surpreende no meu avô, e na feitura do filme, pude compreender melhor, foi a decisão radical de romper com o status quo, abandonar a carreira de arquiteto muito bem sucedido e se dedicar aos projetos urbanistas incessantemente. Ele perdeu tudo o que tinha, mas realmente não ligava para o fato. Dizia ; ;sem dinheiro, sem limites;", observa o autor do argumento da fita, o arquiteto (e neto do biografado) Thiago Bernardes.

Evidente que despontam, em Bernardes, questões relacionadas ao famoso Laboratório de Investigações Conceituais (criado por ele, para expandir pesquisas sobre o Brasil), ao preciosismo aplicado na casa da urbanista Lota de Macedo Soares e ao "diálogo" mantido por ele com os operários (um grande diferencial) envolvidos em suas obras. Mas vem, igualmente, à tona, a troca de experiências com o seminal visionário Buckminster Fuller e polpudas intimidades do seio familiar. Tudo isso, ainda está acompanhado de uma encadeada estrutura narrativa que explica pontos que levaram o arquiteto a envolver-se com obras e projetos avalizados pelo governo ditatorial do Brasil dos anos 60 e 70.

A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique aqui.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação