Diversão e Arte

Escritor explica a ligação entre comida, economia, política e sociedade

Michael Pollan se apresenta nessa sexta-feira (1º/8) na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)

Nahima Maciel
postado em 31/07/2014 08:07
O autor sustenta que o ato de cozinhar foi sequestrado pela indústria de alimentosUm dado curioso faz o escritor norte-americano Michael Pollan dar risadas: passamos mais tempo lendo sobre comida ou assistindo a programas de culinária do que realmente cozinhando. É um tipo de condicionamento que vale para um milhão de outras atividades cuja prática é trocada pela observação, caso do futebol. E diz muito sobre o homem. Convidado pela Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) para falar, nessa sexta-feira (1;/8), sobre os cruzamentos entre política, sociedade, civilização, desenvolvimento e meio ambiente que podem sugerir um prato de comida, Pollan tem se preocupado com a maneira como o ser humano passou a se alimentar nas últimas décadas.

Em Cozinhar, uma história natural da transformação, ele demonstra como a indústria usurpou do homem uma de suas habilidades mais incríveis para destiná-la à indústria de processamento de alimentos. ;Estamos em um momento engraçado da história, pela primeira vez ninguém tem que cozinhar, não é obrigatório, é opcional. Isso porque temos grandes empresas fazendo isso para nós. Então, temos que encontrar uma justificativa para cozinhar, senão não vamos fazê-lo. E muitas pessoas não vão fazer porque não precisam;, diz, em entrevista ao Correio, depois de passar algumas semanas viajando pelo Brasil antes de seguir para Paraty.


Pollan escreve sobre as relações entre comida, agricultura e economia há 12 anos. Durante essa década, tenta analisar o que chama de cadeia da comida. Ao escritor, interessa saber que estágios separam os alimentos in natura dos corpos que os consomem e o que acontece neste caminho.

Sedução perigosa


Segundo ele, é possível compreender toda a história do capitalismo ao estudar os hábitos alimentares da humanidade. Pollan defende que a indústria se apropriou da função de cozinhar e criou produtos tão atraentes que preparar a própria comida se tornou um hobby. Com muito sal, gordura e açúcar, ingredientes difíceis de serem encontrados na natureza, as grandes empresas de processamento de alimentos criaram uma fórmula capaz de seduzir qualquer ser humano.

Entrevista completa com Michael Pollan

Por que escrever sobre comida e a maneira que o ser humano se alimenta?

Tenho escrito sobre comida e agricultura há 12 anos. E sempre sobre a cadeia da comida, de várias perspectivas diferentes. O que chamo de cadeia da comida são os links entre as fazendas e nossos corpos. Primeiro, me debrucei sobre as fazendas e a maneira como a comida é produzida. E me dei conta, fazendo isso, que os tipos de mudanças que temos visto na agricultura, com a industrialização da agricultura, a tranformação de pequenas fazendas diversificadas em grandes monoculturas de soja e milho, foram conduzidas pelo fato de que não estamos mais cozinhando. Estamos deixando as empresas de fast food cozinhar para nós. Essa foi a primeira indicação que me fez perceber que cozinhar é importante. Depois, deixei isso um pouco de lado. Escrevi um livro chamado Em defesa da comida, sobre o que chamo de cadeia da comida, e sobre o que acontece com nossos corpos quando comemos e como a comida afeta nossa saúde. Aprendi também que cozinhar era a chave e que o movimento em direção a uma dieta industrializada - o que quer dizer comida cozida por grandes corporações em vez de ser cozida pelo ser humano - foi a mudança mais importante na dieta humana e está afetando nossa saúde e contribuindo para a diabetes, para a obesidade, para hipertensão e todos os problemas associados à dieta moderna. Entre essas duas descobertas, me dei conta que o link do meio da cadeia da comida, aquele em que os produtos que vêm das fazendas são transformados nas coisas que comemos e bebemos, era o mais importante da cadeia da comida em termos de influenciar a agricultura e a saúde. Eu quis prestar atenção nisso e escrever sobre isso. Também me dei conta que nunca dei muita atenção ao ato de cozinhar na minha própria vida. Eu tinha isso como uma coisa certa. Quer dizer, eu cozinho, mas sem muita convicção e profundidade. Então comecei um processo de aprender como cozinhar bem, e não somente cozinhar refeições, mas também como fermentar cerveja, como fazer pão, conservas, todas essas maravilhosas descobertas humanas de transformação. E espero que o livro inspire as pessoas a cozinharem elas mesmas e as encoraje a repensar o ato de cozinhar não como algo chato e desnecessário, mas como algo fascinante e estimulante, a coisa mais importante que elas podem fazer para sua felicidade e saúde.

Por que passamos mais tempo lendo sobre comida do que cozinhando?

Não é engraçado? É o paradoxo de cozinhar. Nós, de fatos, nos interessamos muito por cozinhar, o que me dá esperanças. Mas ao mesmo tempo dedicamos muito tempo ao que chamo de quadro de espetáculo, algo que você assiste, como o futebol, mais do que participa. Acho que é parte de uma moda na nossa sociedade, em que somos encorajados a fazer uma única coisa, a ter um único tipo de produção, e é isso que fazemos no nosso trabalho. Você escreve matérias, eu escrevo livros, e tudo mais deve ser feito por alguém mais. E não aprendemos as habilidades que precisamos para nos manter, porque o mercado quer fazer isso por nós porque há dinheiro envolvido nisso. Esse é o modo de funcionamento do capitalismo: tomar cada vez mais funções do nosso cotidiano. Tenho um amigo que diz que, se a indústria da comida encontrar um jeito de passar pela sua garganta e digerir sua comida, e um modo de você pagar por isso, eles vão fazer. Se você pensar nos últimos 100 anos, há tantas coisas que fazíamos por nós mesmos e hoje as grandes empresas fazem por nós e nos convencem que o fazem melhor e mais barato. O espaço à nossa volta, aquele que controlamos e no qual temos a independência de cuidar de nós mesmos, está encolhendo. E cozinhar é uma fronteira muito importante na luta da indústria contra a tradição para tomar conta do ato de cozinhar. Eu acho que temos que defender o ato de cozinhar porque é tão importante para a saúde do planeta quanto dos nossos corpos. E sabemos que as grandes empresas de comida não são muito boas nisso. Elas usam muito sal, gordura e açúcar e têm tendência de usar os ingredientes de baixa qualidade. E também precisam fazer a comida durar muito tempo. Ao cozinhar para milhões de pessoas todos os dias, eles vão preparar a comida em fábricas longe, no espaço e no tempo, de onde a comida será consumida. E a comida perde a qualidade quando espera tanto tempo.

Comida saudável é cara? Como torná-la acessível para todo mundo?

Há dois pontos aqui que devem ser separados. Quando você fala em comida saudável orgânica, de produtores locais ou mercados de fazendeiros, ela pode ser mais cara sim. Às vezes. Mas não mais cara que comida processada. Comida processada é cara. E há muitas experiências que mostram que se você dedicar tempo a cozinhar para você mesmo, pode sair mais barato que o MacDonald;s. Comprar comida fresca e cozinhar você mesmo é a maneira mais econômica de comer. Especialmente aqui no Brasil, em que os mercados são ótimos e baratos. A comida processada é muito mais cara, você precisa pagar para essas companhias para cozinharem para você. E é assim que eles fazem dinheiro. Então sim, comida orgânica é cara, mas você não tem que comer orgânico para comer saudavelmente. Você pode ser saudável simplesmente comendo comida de verdade, vegetais, frutos, carnes frescas que você cozinha você mesmo. Pessoas como eu promovem a comida orgânica e de produção local, mas não é essa a chave. Pode ser a chave para a saúde do meio ambiente, mas não é a chave para uma alimentação saudável. É mais importante comer produtos frescos, sejam eles orgânicos ou não, do que comida processada. Vocês têm no Brasil um nutricionista visionário e reconhecido no mundo inteiro, Carlos Augusto Monteiro, na Universidade de São Paulo, e ele tem um argumento muito forte de que a chave de qualquer comida e sua qualidade de saudável ou não não são os nutrientes que contêm, mas o grau de processamento. Por quantas etapas de processamento ela passou? E acho que ele está certo: devemos prestar mais atenção ao processamento e menos atenção nos nutrientes quando avaliamos a comida.

Todo mundo sabe que a comida processada faz mal. Por que continuamos a comê-la?

Boa pergunta. Provavelmente porque é cientificamente concebida para que a consumamos. Eles sabem que se colocarem muito sal, gordura e açúcar, nós vamos achar irresistível. Fomos impelidos pela evolução a comer essas coisas porque elas são raras na natureza. O açúcar é muito difícil de encontrar na natureza, basicamente ele está nas frutas e no mel, que é difícil de conseguir. Sal também é difícil de conseguir na natureza, com exceção da carne. Essas são coisas para as quais temos inclinações naturais, que queremos naturalmente e as fábricas de comida processada usam esses aspectos para nos cativar. Mas não é a única razão. A outra razão é a conveniência. As pessoas são preguiçosas. Frequentemnte escolhemos os caminhos mais fáceis e que apesentam menos resistência. Estamos em um momento engraçado da história: pela primeira vez ninguém tem que cozinhar, não é obrigatório, é opcional. Isso porque temos grandes empresas fazendo isso para nós. Então temos que encontrar uma justificativa para cozinhar, senão não vamos fazê-lo. E muitas pessoas não vão fazer porque não precisam.

O que o senhor acha das políticas relacionadas à alimentação nos Estados Unidos?

Não acho que sejam boas. Temos um sistema agora no qual, de fato, o governo está subsidiando a junk food. Nossas fazendas são as maiores produtoras de soja e milho, mais do que qualquer outra coisa, mas ninguém come esse tipo de milho e soja que estão crescendo nas fazendas. Eles são os ingredientes para abastacer as fábricas de carne, de doces, porque adoçamos nossas bebidas com xarope de milho, e a soja que é usada para fazer o óleo para fritar a batata dos fast-food, encorajando a comida menos saudável que há. Ao mesmo tempo, o governo gasta uma fortuna para nos manter saudáveis. O governo americano está apoiando os dois lados, por exemplo, da diabetes. Não faz sentido. Deveríamos estar encorajando os fazendeiros a plantar comida de verdade e não coisas como milho e soja.

Por que os americanos são os que mais comem comida processada no mundo?

Somos os pioneiros da comida processada, o fast-food foi inventado nos Estados Unidos, Mac Donald;s, Kentucky Fried Chicken, tudo isso foi inventado nos Estados Unidos, nos anos 1950. E o marketing é muito pesado. Acho que é só uma questão de tempo para que o mundo inteiro coma do jeito que comemos. No Brasil, vocês têm uma cultura da comida muito mais vibrante que nos Estados Unidos e é algo que deve ser defendido, é parte do patrimônio cultural de vocês, é uma bela tradição e alguém, um dia, vai tentar tirar isso de vocês. Só valorizamos as coisas quando as perdemos. Eu concordo muito com a filosofia do slow food, que tenta jogar uma luz na comida tradicional e encorajar as pessoas a preservarem e celebrarem antes que se torne coisa de museu. Precisamos manter nossos feijões e nossas mangas vivas. E a outra razão pela qual os Estados Unidos mergulhou tão fundo no caminho do fast-food é que não temos uma cultura gastrônomica muito enraizada como a França, o Brasil ou a Itália. Éramos grupos imigrantes tão diferentes que não tivemos uma cultura gastronômica nossa, nós a tomamos emprestada de outras culturas. E acho que somos mais vulneráveis ao marketing e à propaganda. O jeito que eu como nos Estados Unidos de hoje é diferente do jeito que minha mãe comia, quando ela era menina, e isso era diferente do jeito que a mãe dela comia. Então não temos isso de uma comida passada de geração em geração e por isso é tão fácil para a propaganda nos fazer mudar os hábitos.

O que o jeito que comemos nos ensina sobre o capitalismo?

Ensina tudo que você precisa saber. Aprendi muito sobre economia e sobre como o capitalimso funciona estudando comida. A maneira como fazemos nossa comida e o capitalismo andam juntos. E você vê que a natureza tem uma certa lógica, um certo sistema. Na natureza, plantas e animais estão sempre juntos. Você nunca vê plantas onde não tenha animais ou animais onde não tenha plantas. Sempre estão juntos e a razão é que eles procuram nutrientes no ecosistema. É uma lógica bonita, que funciona e é sustentável. Mas para o capitalismo esse não é um sistema eficiente. É mais eficiente tirar os animais das fazendas, colocá-los em fábricas e alimentá-los com milho. A lógica do capitalismo é diferente da lógica da natureza e o desafio para nós é fazer com que a lógica capitalista, que tem suas virtudes porque é muito eficiente, não destrua a natureza ou a nós mesmos porque a lógica do capitalismo não está interessada na nossa saúde e sim em produzir o quanto mais comida possível. Assim como a lógica do capitalismo não está interessada em acabar com doenças crônicas, porque elas são muito rentáveis. O capitalismo adora criar problemas que não são problemas e sim novos mercados.

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