Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Paralamas lembram o rock de Brasília e celebram 30 anos de carreira

Os Paralamas do Sucesso celebram três décadas de estrada e, em entrevista ao Correio, relembram a importância da capital do país na trajetória e criticam filme sobre Renato Russo

Rio de Janeiro ; Herbert Vianna chega em sua cadeira de rodas e os amigos Bi Ribeiro e João Barone se levantam para cumprimentá-lo com beijos no rosto. Sim, amigos. Juntos há mais de 30 anos, os Paralamas do Sucesso pautaram a trajetória artística, para além da música, em torno do afeto que desenvolveram uns pelos outros. É uma tarde ensolarada na Cidade Maravilhosa e o trio opta por receber a reportagem do Correio ao ar livre, no quintal da casa que Barone aluga e utiliza como estúdio, no bairro Jardim Botânico.

Vocês, Herbert e Bi, se conheceram em Brasília, mas a banda foi formada no Rio. O que, da vivência na capital federal,vocês levaram para os Paralamas?


Barone: Bom, enquanto cidadão brasiliense honorário (risos);

Bi: Na quadra que a gente morava, a 104 Sul, tinha umas bandas. A gente era pequeno e ouvia os caras tocando. Isso mostrou pra gente que era possível fazer uma banda e tocar. Não era só o disco do Led Zeppelin. Os caras um pouco mais velhos que a gente tinham uma banda, tocavam, e era legal.

Herbert: Eu e Bi nos conhecemos em decorrência do skate.

Bi:
A gente tinha um amigo em comum ; cujo pai era da Aeronáutica, assim como o do Herbert ;, e íamos ao Clube da Aeronáutica. Tinha uma ladeira boa lá, onde andávamos de skate. Lá, cruzei com o Herbert pelas primeiras vezes. Depois, chegamos a morar na 104.

Herbert: No Planalto, boas ladeiras são uma preciosidade. Eu e Bi nos esbarramos e começamos a ter uma ligação. Na quadra, nossa turma andava de skate o tempo todo. A molecada já tinha interesse e entusiasmo por música, então a gente via, eventualmente, uma banda ensaiando, ou a história de que fulano de tal havia conseguido, por contatos diplomáticos, uma guitarra melhor. Nessa época, comecei a ficar completamente obsessivo por aquela revista Guitar player. Em Brasília, tive um professor de bossa nova que me ensinou acordes e harmonias sofisticados. Foi um avanço federal.

Mesmo no Rio, vocês mantiveram uma relação próxima com as bandas de Brasília. Consideravam-se da turma?

Bi: Mais ou menos. A gente tinha muitos amigos ali, mas começamos a tocar no Rio. Por frequentar muito Brasília, a gente acompanhou o surgimento daquelas bandas, e isso incentivou muito a gente a tocar. As bandas surgindo, as músicas legais, a gente queria fazer algo parecido. E no Rio não conhecíamos ninguém. Nossa referência de bandas sempre foi as de Brasília.

Herbert: Uma coisa simbólica é que a primeira música de Renato Russo a ser gravada foi por nós. Eu já o conhecia, tinha sido amigo de escola de um primo dele, que vivia falando dos discos e da obsessão do Renato. Quando vim pro Rio e surgiu a possibilidade de gravar, pedimos uma fita pra ele ; por quem tínhamos muito entusiasmo e admiração ; e escolhemos Química, que está em nosso primeiro disco.

E por que, na opinião de vocês, Brasília se tornou a capital do rock naquele momento?


Herbert:
Eu diria que é porque tinha uma população muito privilegiada, com muitos diplomatas. Classe média alta conectada com o poder. Os canais de informação estavam abertos: havia vários estrangeiros estudando na mesma escola que você. Eles tinham discos e histórias para contar sobre bandas que você não conhecia.

Bi: E, nos anos 1970, era uma cidade muito pequena, pouca gente com muito poder aquisitivo e muita informação circulando. E também pouca coisa para se fazer, né.

Falando em Renato Russo, vocês sempre tocam Que país é este? e acabaram por incluí-la também no último DVD. A letra, apesar de ser dos anos 1980, é de uma atualidade impressionante.

Barone: Tem se falado muito das bandas dos anos 1980 que conseguiram imprimir essa mensagem mais sócio-política, como aconteceu em nosso terceiro álbum, Selvagem (1986), no qual houve um aprimoramento do discurso. Assim como o disco dos Titãs, Cabeça dinossauro, do mesmo ano. Por mais que a gente vivenciasse uma abertura política, esbarrava com essas estruturas arcaicas de poder. Depois de tanto tempo decorrido, é o que a gente continua a ver. Vinte anos se passarem e pouco mudou. O discurso de Que país e este?, bem como de tantas músicas dos Paralamas, é atual. Queríamos que elas fossem apenas o retrato de uma época passada. Mas elas se aplicam muito bem.

Bi: Como Inútil, do Ultraje (A Rigor). ;A gente não sabemos escolher presidente; (cantarola).

Herbert foi retratado no filme Somos tão jovens, sobre Renato Russo. Vocês viram? Gostariam que a história da banda fosse levada aos cinemas?

Todos: Não vimos!

Bi: Pelo que eu soube, a história é toda mal contada. Até a parte em que o Herbert aparece, não aconteceu daquele jeito. Preferia que não fizessem sobre a gente.

Barone: A gente respeita o apelo que uma história dessas tem para as gerações atuais, que não vivenciaram aquela turbulência que a Legião Urbana e o Renato geraram, mas é tão perigoso. Frejat também não viu o filme sobre o Cazuza nem quer ver. A gente respeita a demanda, o filme foi um sucesso, mas é um pouco artificial demais. Foge muito da realidade que a gente vivenciou.

Bi: E é pena que, a partir disso, passa a ser verdade para um certo número de pessoas.

E o filme Faroeste caboclo, baseado na música do Renato? Que música dos Paralamas poderia virar cinema?

Bi: Esse eu vi, gostei;

Barone: Acho que Alagados daria uma boa história, sobre a vida difícil.

Bi: Vital e sua moto também.

O repórter viajou a convite da Universal Music.