Rui Martins - Especial para o Correio
postado em 09/08/2014 11:20
Locarno- Suiça - A sala destinada à crítica internacional estava quase lotada para ver o filme Ventos de Agosto, do pernambucano Gabriel Mascaro, concorrendo ao cobiçado Leopardo de Ouro. Entretanto, situado entre documentário e ficção com um roteiro não muito preciso e uma certa improvisação, o filme decepcionou a maioria.Ficou a impressão de se tratar mais de um estudo de antropologia e etnologia daquele litoral nordestino produtor de coco do que de o esperado longa-metragem de ficção. Isso não invalida o filme, que tem valores a transmitir relacionados com a época do mar revolto, o vento e o medidor da sua força que utiliza também seu aparelho para ouvir sons locais, a colheita dos cocos, a naturalidade do sexo, a existência da morte até num lugar paradisíaco embora pobre e algo bem brasileiro como o desleixo policial, mesmo quando se trata de identificar um cadáver de alguém assassinado e enterrado num lugar precário como a areia da praia.
Gabriel Mascaro não considera negativa essa impressão de estudo antropológico local, "se o filme oferece uma abertura para o campo da antropologia também é bacana por propor uma reflexão importante para diversas áreas do conhecimento. E o filme então oferece uma surrealidade nessa experiência da etnografia e vai para a fronteira da ficção e do real, com a realidade parecendo ficão e a ficção se confundindo com a realidade numa experiência integrada de antropologia, etnografia e ficção."
Sobre a aparente entrada no filme de fatores imprevistos, como o medidor do vento, Mascaro diz "ser um filme programado para nele serem integrados imprevistos", o que define como "um filme poroso", se apropriando de situações novas que forem surgindo, "é um filme todo de imprevistos e se não fossem tais imprevistos poderia nem mesmo existir".
"O filme trouxe as minhas crises que são parte de minhas pesquisas no campo do documentário para a feitura de uma ficção. como trazer o encontro da realidasde que é a força do documentário para fazer a estrutura narrativa da ficção desses filme".
Sobre a naturalidade com que mostra o sexo e diante das pressões religiosas e retrógadas conservadoras, Mascaro diz que "O Brasil não escapa dessa onda conservadora com o grande crescimento dos evangélicos. Não se pode separar a Europa da América Latina, pois o neoconservadorismo está entrando mesmo na política brasileira de maneira forte e o filme levantará questões dependendo dos lugares onde for exibido."
Mascaro recorre como referência ao documentarista holandês Joris Ivens que, já no apogeu de sua carreira, se dispos a filmar o vento. "No meu filme, não filmo o vento mas o som do vento, o pensar o mundo através do som do vento, conhecendo a área de convergência dos ventos."