Diversão e Arte

Saulo Fernandes fala, em entrevista, sobre carreira solo e da cena musical

O cantor também comentou a saudade por artistas como Renato Russo

Adriana Izel
postado em 11/08/2014 17:33

Na carreira solo, o cantor baiano incorporou outros elementos ao axé

Desde que deixou o comando da Banda Eva, no ano passado, o cantor Saulo Fernandes mostrou ao país uma nova forma de fazer axé. Ele deixou para trás alguns elementos característicos do ritmo para incorporar influências de outros gêneros e apostar em trabalhar mais as letras da canções. "O que eu faço não é necessariamente poesia, mas é uma tentativa", defende.

O baiano também chamou atenção pelas atitudes sociais. Neste ano, ele raspou a cabeça em uma campanha do hospital Martagão Gesteira, de Salvador, que trata de crianças com câncer. Na turnê pelo país, onde apresenta o novo CD e DVD, ele adotou uma ação social, em que convida crianças das cidades em que passa para compor a orquestra no show. Na capital foram convidados estudantes da Universidade de Brasília (UnB). ;Trazer essas pessoas para o palco é uma necessidade também de dizer ao local onde estou: ;olha o que a sua cidade produz;;, afirma.

Em entrevista ao Correio, ele aproveitou para dizer que sente falta de artistas como Renato Russo, Cássia Eller e Cazuza. ;A gente precisa ficar com essa nostalgia. hoje não se tem mais pessoas artistas de verdade;, diz Saulo.

Você mudou muito do estilo quando optou pela carreira solo ao trazer mais referências poéticas às canções. Você acha que é importante para a música estar sempre trazendo um pouco de poesia?

Acho que a música e a poesia elas têm muito a ver. Elas são pares e caminham juntas. O que eu faço não é necessariamente poesia, mas é uma tentativa. Sou um cara que escreve textos e pensamentos. Dizer que faço poesia está bem distante de mim. É apenas uma forma de sair de um lugar comum e usar metáforas, sinônimos, essas coisas.

Na carreira solo você se distanciou um pouco daquele axé da Banda Eva. Você ainda considera que faz axé ou classifica como um outro estilo?

Sim, porque o axé é a música da Bahia. É música forte, alta, percussiva, bárbara e invasora. Então, considero que faço. Minha música, pela liberdade que ela me dá, se comunica com outras coisas e traz poesia e outros elementos. Por exemplo, o meu DVD tem uma orquestra com quatro pessoas tocando instrumentos clássicos ali no meio de um som alto. O que eu faço é sair da prateleira e tentar ser o que eu puder. Onde a música me levar, eu vou.

Você acha que hoje o mundo da música precisa de uma mudança?

Acho. Eu estava vindo para cá (Brasília) e me deu uma saudade de Renato (Russo). Hoje não se tem mais pessoas artistas de verdade. Porque artista é o cara que é inquieto, que quer derrubar as paredes e revolucionar sem arma, mas com flor. Acho que falta um pouco disso. Hoje está tudo mais morno. Mas também acho que a cultura e a arte elas sempre se manifestaram de acordo com o momento do país. E o momento é dormente. Na época da ditadura, estava todo mundo agitado e o país estava quente. Todo mundo estava querendo sair daquela prisão. Hoje não, a gente está meio passivo. Eu sinto falta. A gente precisa ficar com essa nostalgia do tipo "oh que saudade de Cássia (Eller), de Renato (Russo), de Cazuza, dessa turma" e saber que também tem gente boa rolando por aí.

Sua nova turnê pelo país conta com a participação de uma orquestra formada por projetos sociais em cada cidade pelas quais você está passando. Como surgiu essa ideia?

Surgiu da minha relação com a Orquestra Sinfônica da Bahia e o envolvimento com artistas da música clássica. Comecei me apaixonar também. Essa é uma oportunidade de trazer músicos não-profissionais, crianças que estão estudando e sonhando com uma oportunidade, ao palco. Imagine, uma pessoa em um lugar que não tem oportunidade carregar um violino pela rua de pedra. Isso é o espírito da música se manifestando. Então trazer essas pessoas para o palco é uma necessidade também de dizer ao local onde estou: "olha o que a sua cidade produz". Tem uma orquestra que a gente trabalha lá em Coité, a Orquestra Maestro Josevaldo, que a gente tocou lá na cidade deles e quando a orquestra subiu no palco eles ficaram tão orgulhosos daquilo. Porque a gente também tem essa distância da música clássica. E, na verdade, não era para ter. São músicos tocando. Por exemplo, em Brasília nós tivemos três irmãos tocando no palco "música popular clássica", lendo partitura e foi lindo. É a oportunidade de colocar holofote em coisas que estão aí sem esperança e essas pessoas tem um trabalho incrível, de desenvolvimento humano e de transformação por meio da música, que é o que eu acredito.

Você falou que ao andar pela capital sentiu falta de Renato Russo. Como é a sua relação com Brasília?

Acho uma cidade massa. Não tenho problema com o clima, que, normalmente, os cantores sofrem. Tenho pessoas queridas e acho que a galera tem uma cabeça boa, um pensamento bom. Também tenho um afeto e uma gratidão por essas crias que Brasília nos deu. Alexandre Carlo, por exemplo que participa do meu disco, é um cara lindo de Brasília. Uma pessoa querida, de espírito bom e que escreve lindamente. Tem um público que gosta da música da Bahia. Então, você ir em um lugar que as pessoas gostam da sua música e conhecem é o que mais gosto.

Você é um defensor da cultura afro. Para você, qual é a importância de falar sobre essas tradições e não renegar essa origem?

Tem importância demais. Porque a gente está no meio de moinhos sem fim de tecnologias e se a gente não se agarrar na raiz da árvore, vamos voar sem sentido. Também tem essa coisa da gente consumir esse mercado norte-americano e achar tudo massa. Eu não, sou um cara que fico cavando buraco para ver o início. Por exemplo, amo Caetano, mas quero ouvir a fonte dele. Ao invés de ir, sempre volto para tentar chegar em algum lugar. Não sou defensor e banderista de nada, mas a minha música é sotaqueada porque a Bahia não tem jeito é Cuba. Cada esquina é um som, uma expressão e uma sensibilidade diferente. É importante retratar e admiro compositores que fizeram isso, pessoas que sabem falar do seu lugar de forma honesta. Acho que só se conquista o mundo, quando se conquista o seu lugar.

Você tem três filhos, o que a paternidade mudou na sua vida?

Tudo ganhou sentido. Estava vendo uma entrevista de uma cantora portuguesa chamada Marisa e ela diz que "o que acontece é que a música sempre foi o primeiro amor da vida. Mas depois do meu filho, a música agora está em sexto". É o meu caso. Eu achava que a música era tudo, ainda acho e sempre foi um sonho, mas depois de meus filhos a vida passou a ter um sentido. Tenho um porque de estar vivo e porque morrer.

Estamos em um ano eleitoral, você costuma se pronunciar politicamente?

Eu me chatiei, aí cansei. Também nem sei se as minhas opiniões vão valer de alguma coisa porque se trata de um músico sonhador e lúdico. Eu não voto, não ter porque... Eu já não saio de casa para votar porque não me sinto civil suficiente. Não sinto um retorno.

Mas por quê? Você não se sente envolvido ou perdeu as esperanças na política?

Não é isso. Me sinto totalmente envolvido. Adoro assistir coisas sobre o assunto e sei mais ou menos o que está acontecendo. Mas, me volto a posição de insignificante, de grão no mundo. Fico pensando ;não vou votar, vou me chatear;. É algo ao qual não quero compartilhar. Tenho filhos, tenho outras coisas, tenho a música como missão. De certa forma, eu também faço política, mas a música faz isso por mim. Ela me representa.

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