Diversão e Arte

Filha de Jorge Amado lança edição de obra com hábitos gastronômicos do pai

O livro A comida baiana de Jorge Amado, de Paloma Amado, revela a intimidade do escritor

postado em 12/10/2014 08:04

Paloma Amado:

Coentro, azeite de dendê, caju e mandioca são alguns exemplos de ingredientes que se tornam matérias-primas das merendas orquestradas pela protagonista de Dona Flor e seus dois maridos, clássico do escritor Jorge Amado, que imortalizou em suas palavras o amor pela Bahia. As referências gastronômicas das obras do autor eram marcadas por personagens icônicos que marcaram a literatura brasileira. Tal expressividade inspirou duas publicações: a primeira, As frutas de Jorge Amado, foi escrita em 1997 pela filha do autor, Paloma Amado, e obra de referência a estudantes e entusiastas da gastronomia. A segunda etapa do projeto foi lançado em 1998 com o livro A comida baiana de Jorge Amado, coordenado pela chef Rita Lobo que será relançado no dia 14 deste mês, com atualizações.



[SAIBAMAIS]A obra ganhou imagens clicadas por Livia Miglioli e Gilberto Oliveira Júnior, e produzidas com texturas, além de uma triagem de receitas. ;Na versão anterior, havia várias receitas de moqueca. Optamos por uma delas, pois a base de preparo é a mesma. Todas as receitas do livro foram testadas e padronizadas;, ressalta Rita. As preparações foram separadas em duas categorias: históricas e práticas. Os pratos com ingredientes de difícil acesso para quem não está na Bahia foram mantidos na versão original ; e ganharam um novo projeto gráfico, que remete a um antigo caderno de receitas.

Foram necessários seis anos de pesquisa para a elaboração do livro, escrito por Paloma durante o período em que acompanhou o exílio do pai na França, entre 1948 e 1949. ;O resultado foi rico e com tantos elementos que eu tive dificuldade de eleger qual caminho tomar. Decidi que faria três livros ; um dedicado às frutas; outro, à cozinha baiana e um livro de comida ritual, feitas pelos orixás. Esse último ainda precisa ser escrito e pretendo dar a ele um embasamento antropológico. Não quero escrever um livro qualquer;, ressalta a escritora.

Receita Moqueca de camarão
Excelente cozinheira, Dona Flor preparava a moqueca para o falecido marido Vadinho e o atual ; o farmacêutico Teodoro Madureira ; que fica em uma busca incessante pela superação dos feitos do primeiro marido da esposa. O personagem feminino do romance publicado em 1966 é um dos mais marcantes da obra de Jorge Amado.

Confira a entrevista com Paloma Jorge Amado:

Como surgiu a ideia de lançar uma nova edição do livro?

Muita gente me cobrava o livro e começou a parecer urgente fazer uma nova edição quando vi que algumas escolas de gastronomia o indicavam para leitura. Quando os direitos foram liberados pela antiga editora, o selo editorial Panelinha da Companhia das Letras se interessou e fizemos uma nova edição. A anterior não era ilustrada e tinha um formato muito mais modesto. A Rita Lobo fez uma edicao mais bonita e enxuta, que mantém perfeitamente toda a essência do livro. É o reaparecimento da obra em trajes de gala.

Quanto tempo de estudo foi necessário para a preparação do conteúdo?

Levei seis anos entre pesquisa e escrita. Quando fui trabalhar na Unesco, em Paris, aproveitava o trajeto de transporte público de ida e volta do trabalho para organizar o conteúdo. Passei a ter uma técnica incrível para me desligar do barulho do metrô (risos). Quando saí de Paris, quatro anos depois, estava com a pesquisa pronta. Era tanto material e tantas vertentes a abordar que eu poderia fazer uma tese de antropologia e psicologia. A comida se mete em tudo.

Quem te ajudou na elaboração das receitas?

Eu até cozinho bem e tenho orgulho disso, mas a minha formação não é em cozinha baiana e sim italiana. Quis colocar nesse livro as melhores receitas e fiz uma pesquisa sobre onde encontrá-las. Tive ajuda de gente famosa e anônima. Quando estava escrevendo o livro conheci a Dadá (do restaurante Tempero da Dadá), que assina na obra receitas como o vatapá e a moqueca de siri mole. A Dona Canô, mãe de Caetano e Maria Bethânia, me passou as receitas de bolo de tapioca e de doce de casca de laranja. A Clara, irmã do Caetano Veloso, me deu a receita de carne malafada - é uma carne parecida com rosbife, mas que tem muito tempero. Testei todas as receitas em casa.

Amado era grande admirador da Bahia. Como foi selecionar os pratos que relacionam essa paixão do autor pela cozinha regional?

É gratificante. Além do trabalho em torno da cozinha baiana, fiz uma grande revisão da obra dele. Nessa pesquisa tive uma confirmação a cada passo do homem generoso que meu pai era e como isso se refletia na sua obra. Uma obra generosa em função do trato dos personagens. O dar de comer dentro da literatura do mo meu pai é de um amor total pelos personagens e por todos que o inspiraram. É uma declaração de amor ao povo da Bahia.

A família de Amado tinha relação próxima com a gastronomia?
A cozinha afetiva foi um dos pontos que impulsionaram essa obra?

Diziam que a mãe de meu pai era uma boa cozinheira, mas depois de muito tempo de fogão ela contava com alguém que cozinhava para ela. Já meu pai não cozinhava nada. Ele dizia que era incapaz de fazer até um ovo cozido, bem diferente do frito, que pelo menos tem alguma ciência no modo de preparo. Mas ele gostava de comer e era um guloso e um gourmet. Era um leitor de livro de receitas e sabia como se fazia os pratos sem fazê-los. Uma das grandes decepções que ele teve foi saber que a rabanada apresentava variações além da maneira clássica feita no Brasil e em Portugal, como o pain perdu, na França. Um dia ele me pediu para preparar uma rabanada molhada em leite de coco. Preparei e distribuímos o prato em toda a vizinhança.

Você tem previsão de lançamento do próximo livro (inspirado em comida de oferenda a orixás)?

Não quero fazer um livro qualquer, mas um livro com embasamento e com característica antropológica, o que pode demorar. Cheguei a discuti-lo com meu pai quando ele era vivo e bem saudável. Disse a ele que queria ir à Africa para ver a cozinha de origem, de onde a cozinha baiana modificou vários elementos. Quero viajar para a Nigéria, origem de grande parte dos negros da Bahia. Pessoas dessa mesma origem foram habitar Cuba e Haiti, que também estão no meu roteiro. Papai era comandante e disse que eu "tinha que ir" a esses lugares. É uma promessa que tenho que cumprir.

Confira a receita de moqueca de camarão

Excelente cozinheira, Dona Flor preparava a moqueca para o falecido marido Vadinho e o atual - o farmacêutico Teodoro Madureira - que fica em uma busca incessante pela superação dos feitos do primeiro marido da esposa. O prato também aparece nas obras Os pastores da noite e O sumiço da santa.

Moqueca de camarão - serve 6 pessoas

Para o camarão:

- 1kg de camarão grande (sem cascas e sem cabeça)
- 1 cebola
- 1 tomate
- 3 dentes de alho
- 1 xícara de chá de folhas de coentro (meça pressionando a xícara)
- 1/2 pimentão verde
- caldo de 3 limões
- 2 colheres de chá de sal

Modo de preparo

Numa tábua, corte o pimentão ao meio, na horizontal, e descarte as sementes (a outra metade será usada em rodelas na moqueca). Descasque os dentes de alho e a cebola. Corte o tomate ao meio. Lave e seque as folhas de coentro.

Num processador de alimentos, bata todos os ingredientes listados (menos o camarão), até formar uma pasta lisa. Se preferir, use o liquidificador: bata primeiro a cebola com o caldo de limão; junte o tomate, o pimentão, o alho, o sal, e por último, o coentro - bata bem entre cada adição e coloque o coentro em duas ou três etapas. Você pode ainda picar tudo bem fininho numa tábua e misturar numa tigela com o caldo de limão e o sal, que é a maneira tradicional.

Sob água corrente, lave o camarão e seque delicadamente com um pano de prato limpo. Coloque numa tigela grande e cubra com a marinada, envolvendo bem o camarão. Cobra com papel filme e leve à geladeira por 20 minutos, enquanto prepara outros ingredientes.

Para a moqueca:
- 2 tomates
- 1 cebola grande
- 1/2 pimentão verde
- 1/2 xícara de chá de azeite de oliva
- 1 xícara de chá de azeite de dendê
- 1 xícara de chá de leite de coco
- 3 pimentas-de-cheiro inteiras

Lave e seque os tomates, o pimentão e as pimentas-de-cheiro. Descasque as cebolas. Corte os legumes (cebola, pimentão e tomate) em rodelas de cerca de 1cm.

Numa panela de barro grande, acomode o camarão e regue com toda a marinada. Cubra as rodelas de cebola, tomate e pimentão, junte as pimentas-de-cheiro inteiras e regue com os azeites.

Tampe a panela e leve ao fogo baixo. Depois de 5 minutos, verifique se já está fervendo. Quando começar a ferver, deixe cozinhar por 15 minutos, regando com o caldo da própria moqueca de vez em quando (não se esqueça de tampar a panela de volta).

Por fim, regue com leite de colo num movimento ciruclar e deixe cozinhar por mais 2 minutos. Sirva a seguir.

Fonte: Livro A comida baiana de Jorge Amado

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