postado em 01/11/2014 08:02
Conhecidas, popularmemente, por uma aparência medonha, por voarem em vassouras e lançarem maldições, as bruxas são personagens recorrentes nas obras de ficção. Há até um dia dedicado a elas, com comemorações e gente fantasiada pelas ruas. Alguns livros as descrevem tão bem que é possível recorrer a eles na hora de preparar adereços e mesmo encenar performances para homenageá-las. Além dos clássicos O livro perdido das Bruxas de Salem, A quintessência sagrada, As brumas de Avalon e As bruxas de Eastwick, há, atualmente, uma produção massiva de livros voltados à temática da magia e de seres mágicos. Histórias, na maioria dos casos, baseadas em lendas e algumas delas afirmam que o Dia das Bruxas era o momento em que as assombrações tentavam voltar à vida.
A comemoração do Dia das bruxas teve origem na civilização celta, cuja cultura influenciou boa parte da Europa, notadamente a Irlanda e a Escócia. Os puritanos que iniciaram a colonização dos EUA, no século 18, eram contrários à celebração, considerada pagã. Ela só se tornou popular no país a partir do século seguinte, com a imigração em massa de irlandeses. Se na Idade Média, os pobres passavam na casa de pessoas ricas no dia 31 de outubro pedindo bolos ; com a promessa de que rezariam pelos mortos ;, hoje, são as crianças que batem de porta em porta, em busca de doces.
Características das bruxas, como voar em vassouras, ter um gato ; normalmente preto ; como animal de estimação, fazer poções mágicas, além da capacidade de ver o futuro em bolas de cristal, são reforçadas nos textos literários, o que ajuda a construir o imaginário popular em torno de tais figuras.
Na Espanha dos séculos 16 e 17, a maioria das pessoas acreditava que as bruxas voavam e se reuniam num local chamado Baraona, um campo na província de Soria (centro-norte da Espanha) que ainda tem a reputação de ser um ponto magnético.
Segestões de leitura:
Sangue, de K J Wignall. Tradução de Marsely de Marcos Martins. Bertrand Brasil, 224 páginas. R$ 25.
Trecho:
;Queimamos as bruxas em 1256. Foi a última vez em que, de fato, apreciei uma fogueira. Não por causa das bruxas, claro ; apesar de na época ser totalmente a favor de queimá-las ;, mas apenas pelo prazer de ver a dança das chamas envolvendo o céu noturno, iluminando a terra com seus tons alaranjados.;
13 segredos, de Michelle Harrison. Tradução de Carolina Selvatici. Bertrand Brasil, 392 páginas. R$ 40.
Trecho:
;Ao olhar para dentro do ralo escuro, viu dois olhos arregalados a encarando. No outono, uma criatura do ralo adotara o cano como casa. Era uma fada gosmenta, que parecia um sapo e tinha atração por coisas brilhantes.;
O conto da Deusa, de Natsuo Kirino. Tradução de Alexandre D;Ella. Rocco, 288 páginas. R$ 37,50.
Trecho
;Ela então chamou as fortes mulheres conhecidas como Bruxas de Yomi e enviou-as para que capturassem Izanaki-sama, que agora já se encontrava fugindo pelo longo túnel. As Bruxas correram em seu encalço, de modo que Izanaki-sama puxou um dos cordões pretos que prendiam seus cabelos e jogou-o para atrás de si. Assim que o cordão atingiu o chão se transformou em um cacho de uvas silvestres. Quando as Bruxas viram aquilo, pararam e caíram sobre as uvas, lutando umas contra as outras para comê-las.;
O guardião invisível, de Dolores Redondo. Tradução: Maria Alzira Brum. Record, 364 páginas. R$ 40.
Trecho:
;Amaia pegou de novo o exemplar de Brujería y brujas, de José Miguel Barandiaran, que tinha mandado buscar na biblioteca assim que esta abrira. O antropólogo afirmava que a crença popular, profundamente arraigada em todo o norte, e, principalmente no País Basco e Navarra, dizia que algué, era belagile sem dúvida se não tivesse nem uma única mancha de verruga no corpo. (;) Amaia leu a definição de bruxa: ;chamo de bruxaria a manifestação do espírito popular que supõe certas pessoas dotadas de propriedades extraordinárias, em virtude de sua ciência mágica ou de sua comunicação com potências infernais.;;
Entrevista completa com María Lara Martinez
Quanto tempo levou sua pesquisa?
Comecei a investigar sobre o tema há sete anos. Nesses momentos, eu estava realizando minha tese de doutorado sobre a secularização na Europa no século 17 e o apogeu no pensamento ilustrado (de defendi em 2010) e, quando me aproximava do desencantamento do mundo em chave filosófica, sentia um profundo interesse pelo mundo das bruxas na Idade Média. Eram os dois lados da moeda, a razão e o sobrenatural.
Foram meses apaixonantes de trabalho nos arquivos inquisitores e estudando os clássicos para seguis a pista das feiticeiras e investigar as poções que preparavam. Também viajei com afã de desmistificar tópicos, como o balanço de cifras entre uns países e outros. Não foi a igreja católica que inventou a caça às bruxas, na Espanha 300 sofreram na fogueira, lamentavelmente. Mas pior foi na Europa central donde 25 mil arderam. Investiguei, durante minha permanência em Paris e em Havard, assim como na Iberoamérica e Espanha, mistérios como a capacidade que tinham de se transformar em animais e o voo em vassoura.
Há uma dicotomia entre bruxas boas e más?
Não só era uma diferenca de aparência, mas também de essência. Das bruxas negras se fugia e se buscava as bruxas brancas como curandeiras, conselheiras e videntes. As brancas era discretas e utilizavam seu dom somente para ajudar aos vizinhos, aumentando a fertilidade, reduzindo as dores. Mas as más, acreditavam que se encontravam em lugares escondidos que só elas conheciam, embora não fosse fácil localizá-las no ato de suas danças sinistras. Na verdade, estas nomeações ganharam lugar em suas mentes só depois recorrer a drogas, o corpo não se mexia.
Por outro lado, o medo é um mobilizador ou paralisador de massas. O povo estava aterrado pelas bruxas más e, desde o rei até um mendigo, todos acreditavam na magia, por isso se protegiam com talismãs, como vemos nos quadros de príncipes de Velázquez. É certo que existam um alto grau de sugestão, embora temos que reconhecer que circulavam venenos, cogumelos e ervas. Geralmente, a inquisição não detinha os curandeiros (uma minoria deles eram homens), sabia da existência deles e tolerava suas presenças, pois podiam curar as vítimas dos malefícios. A população os respeitava e recorria a eles como médicos, que haviam recebido de herança de suas mães e avós profundos conhecimentos sobre as propriedades das plantas. Estas curandeiras eram uma espécie de médicas em uma época em que as mulheres não podiam frequentar a universidade e 75% da população era analfabeta.
O que foi mais interessante durante sua pesquisa? Que mistério mais te surpreendeu?
O século do Ouro é por si mesmo uma etapa mágica. O curioso é que, com as substâncias alucinógenas, as bruxas desenvolveram os mesmos ritos e tiveram identicas visões em lugares tão distantes como Salem e Catalunha, Escocia ou Italia, quando não havia meios de comunicação nem redes sociais para transmitir as noticias. Estas bruxas viveram na Espanha em uma época de crise. Após o boom suscitado pelas riquezas do Novo Mundo, sucederam décadas de profunda crise política e econômica e, mesmo assim, o império conheceu seu momento de esplendor cultural e artístico. Não é de se estranhar que, diante da incerteza ocasionada pela fome, recorria-se mais às feiticeiras. Um dos magos que analisei no livro é Jerónimo de Liébana que llegó a convencer nada mais nada menos que o poderoso Conde-Duque de Olivares, o favorito de Felipe IV, de que se desenterrasse um cofre na praia de Málaga, dele sairia um gênio que daria confiança eterna ao monarca. Não encontraram o baú, o mago se tornou um farsante e foi condenado às geleiras. Ele escapou e terminou sua vida como um homem livre. Foi um trabalho intenso, mas com enormes satisfações, por exemplo, a de seguir a realidade de personagens literários que na verdade existiram. Hpa também o Dr. Eugene Torralba ou bruxas Montilla, cujos registros, de XVI, descrevem os seus movimentos, que foram mencionados por Cervantes.
Algumas dessas práticas estão vivas hoje de alguma maneira?
No Ocidente, a bruxaria pode estar à margem da vida de muitas pessoas. De vez em quando se pode ver alguma vidente jogando cartas de tarô na televisão ou anúncios publicitários. Para outras pessoas, está presente com o horóscopo ou produtos esotéricos. A santeria e o vudú estão ativos em muitas sociedades. Práticas como amarrações, orações para combater o mal-olhado, presentes em Castilla no século 17, seguem se desenvolvendo. Recentemente investiguei como em determinados países da África, mulheres anciãs e viúvas, sem meios de sobreviver, são lançadas na fogueira. Com a epidemia de Eboa, acusam crianças que nascem invertidas, descapacitados, órfãos e gêmeos de serem culpados pela mortes de seus familiares. É intolerável que a superstição e o fanatismo continuem provocando vítimas.
Quem eram as bruxas que viveram na Espanha no período que você investigou?
O Santo Ofício conheceu a existência das bruxas desde sua fundação. Havia muitos tipos, a categoria de feiticeira obedecia a um amplo espectro: casamenteiras, curandeiras, videntes e bruxas perversas. Em algumas delas se incluía também o matiz étnico, como nas ciganas ou mouriscas. Para entender, é preciso lembrar o poder que uma sociedade uniforme ideologicamente queria, daí o esforço dos reis católicos em acabar com a guerra de Granada.
De onde vem a imagem macabra de bruxas que se tornou popular em todo o mundo?
Os antigos gregos já associavam a beleza à virtude e o vício com a feiúra. O arquétipo de bruxa funde suas raízes na tradição clássica. Recordemos a sacerdotiza Medeia, que ajudou com suas conjuraçõesaos argonautas em busca do Velocino de Ouro, e sua tia Circe, a deusa feiticeira que transformou inimigos em animais por poções. Na Odisseia, Homero descreve sua casa como uma mansão de pedra que ficava no meio de uma clareira do bosque. Ao redor da vila, onde ela consumia suas horas trabalhando em um grande tear, os leões e os lobos rondavam. Na realidade, não eram mais que vítimas de sua magia. Com isso, ao longo dos séculos, o perfil das bruxas foi se moldando. A partir do século 10, deram importância à crença pagã de que a deusa caçadora Diana voava de noite acompanhada das divindades. No ano de 1451, está descrito, no rodapé de uma página de Le Champion des Dames por Martin Le França, o surgimento da vassoura, embora as duas mulheres que voavam não usam negro e nem têm olhares tristes, como seria usual a partir do século 16. O gato preto como testemunha de suas invocações, também tem procedência antiga. No Egito, o animal era sagrado e chegou a ser considerado a reencarnação da deusa Ísis.
Atualmente, no Dicionário da Real Academia Espanhola lemos em um dos conceitos que bruxa é ;em contos infantis, uma mulher feia e malvada, que tem poderes mágicos e que, geralmente, pode voar montada em uma vassoura.
Por que havia mais mulhres que homens dedicados à magia?
O principal objetivo do meu trabalho é a afirmação de gênero. Explicar porque elas são chamadas de bruxas e eles de magos. A resposta está nos preconceitos que fez da mulher a encarnação da tentação. Ao longo dos anos tem sido costume de atribuir mulheres autoria magias em lendas e contos que personificaram em invocações femininas e encantamentos. A história nos informa que esses rituais, podemos associar com a mente supersticiosa, muitas vezes eram feitos por mulheres trabalhadoras. Mas junto com preconceitos misóginos associados para a senhora com o pecado de Eva, além do próprio contexto, marcado pela desigualdade de oportunidades, alimentado esta realidade , Ao mesmo tempo que a fêmea era respon sável por trazer filhos ao mundo, era acusada de agir sobre seu destino. O mago, no entanto, tinha melhor reputação.
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