postado em 08/11/2014 08:03
Comemora-se em novembro os 70 anos do poeta Torquato Neto, piauiense criador da Tropicália que chegou a ser confundido com baiano e que, segundo Augusto de Campos, ;deu as costas ao sol;. Na condição de seu biógrafo, sempre gostei intimamente de identificá-lo como ;poeta maldito;, mas sempre com uma ressalva: não no sentido bíblico.
Não foram poucas as vezes que fui interpelado ; em conversas informais ou palestras em faculdades ; por interlocutores incomodados com a expressão ;maldito;, com a qual costumo identificar certos poetas. Não por acaso sou biógrafo de dois deles: Paulo Leminski e Torquato Neto. Cheguei inclusive a brincar chamando estes dois livros de ;minha micro antologia biográfica dos malditos;.
[SAIBAMAIS]Em recente contato com professoras do Piauí, durante evento literário no município de Picos, me confrontei com o sentido didático desta questão, assim colocada antes (felizmente antes) da minha
palestra sobre Torquato Neto:
- Professor, me salve, como posso explicar ao meu aluno que o poeta era maldito sem estar correndo o risco de enaltecer virtudes de alguém sem a graça divina? Um suicida.
Ora, quando dizemos que determinado poeta é maldito não estamos usando a expressão no sentido bíblico, mas literário. Em literatura, maldito é o poeta capaz de morrer por amor, pela liberdade ou pela poesia. Um romântico potencializado. Ninguém lembra que Romeu, o namorado de Julieta, criação clássica de Shakespeare, é um suicida. Diz-se que ele morreu por amor.
O primeiro maldito da literatura foi o francês François Villon (1431-1463) que as enciclopédias definem como um ;ébrio genial;. O autor de Balada dos enforcados parece ter criado suas próprias
histórias e mitos, alimentando muitas fantasias a seu respeito. De qualquer maneira, sempre o mérito vai ser dele. Sabe-se que foi um aventureiro e ladrão, numa época de economia difícil na França sob dominação inglesa.
O resgate do nome de François Villon para a história da cultura francesa aconteceria séculos depois quando uma nova geração de malditos ; entre eles e principalmente Rimbaud e Paul Verlaine ; produziria a poesia etílica da geração absinto, a geração dos poetas malditos franceses. Inclua-se nesta lista o contemporâneo Charles Baudelaire, o modernista, e suas flores do mal.
Leminski, que Waly Salomão dizia ser uma ;convergência de contradições;, estava convencido que os verdadeiros poetas são uma espécie de erro de programação genética:
;O poeta seria um ser dotado de erro, donde essa tradição romântica de marginalidade, do poeta como bandido, banido, perseguido;.
Com Torquato ; também ele uma convergência de contradições ; vai acontecer o inesperado: com o sucesso da explosão tropicalista, que ele ajudou a construir, criando clássicos da música brasileira em parceria com Gil e Caetano, quase sempre interpretados por Gal Costa, veio a vertigem do universo, longo período de trevas, culminando com o suicídio na noite em que completava 28 anos: 10 de novembro de 1972 . Desfecho trágico que o professor Augusto chama de ;dar as costas ao sol;. Como Torquato mesmo dizia, citando Drummond, ;ele estava predestinado a desafinar o coro dos contentes;.