Ele próprio reconhece que foi um risco. Ao optar por escrever sobre as tarefas enfadonhas e obrigações entediantes do trabalho diário ; dele e de todos nós ; , o escritor colombiano Paul Brito assumiu o perigo de tirar do leitor o maior dos presentes oferecido pela literatura: o de escapar da realidade. No seu livro La muerte del obrero (ainda sem título em português), da Editorial Collage Editores, que será lançando no próximo mês na cidade de Barranquilla, Colômbia, Paul optou por projetar os holofotes na vida laboral e fazer uma metáfora entre o cotidiano, sem surpresas e fastidioso, de um trabalhador com a monotonia inexorável do tempo e da vida.
A escolha tirou até mesmo o escritor da acomodação dos próprios pensamentos. Autor de dois outros livros ; Los intrusos (2008) e El ideal de Aquiles, 101 minicuentos para alcanzar a la tortuga (2010) ;, ele gosta de usar os contos para falar das emoções humanas, da vida familiar, dos questionamentos subjetivos e filosóficos de seus personagens. Dessa vez, no entanto, foi buscar no universo seco do trabalho, a matéria-prima para o novo livro e preencher uma inquietude que o acompanhava: ;Nunca sabia o que fazer com meus personagens quando precisava me referir ao contexto de trabalho. Decidi buscar esses espaço que não conhecia, cumpri meu objetivo e me animei;, comenta.
O resultado são narrativas que podem ser lidas de maneira interligada ou como ardilosos percursos independentes. Depende do olhar do leitor. Como personagem central, escolheu um tipo que, no fim dos anos 1990, busca emprego. Nesse caminho, ele assume tarefas cansativas e aborrecidas. O que tira esse tal trabalhador do cotidiano insosso são alguns encontros e outros desencontros. Os relacionamentos com os chefes, a despedida de alguns colegas demitidos, os acidentes de trabalho e alguns desastres que acometem os que ganham a vida com a força física. De resto, é só mesmo o cumprimento de obrigações. Assim, como a vida, uma sequência de acontecimentos repetitivos, por vezes interrompido com algumas alegrias ou pequenas tragédias.
O jovem escritor, de 39 anos, faz parte de uma geração de literatos que cresceram lendo e tendo como inspiração um dos maiores nomes da literatura latino-america: o também colombiano Gabriel García Márquez. ;Ele é sempre uma referência para qualquer escritor da América Latina, ainda mais quando se escreve na mesma zona em que ele escreveu;, garante. Em conversa com o Correio Braziliense, Paul Brito fala de Gabo, do mercado editorial e das similaridades entre a cultura que descreve em seus livros e o Brasil.
Quatro perguntas para // Paul Brito
Qual o desafio de escrever livros em um país onde a grande referência é um dos maiores nomes da literatura mundial?
García Márquez explorou toda a cultura caribenha, não só a colombiana. Ele esgotou, espremeu a cultura local a tal ponto que não se pode escrever sobre o espaço cultural sem esbarrar com Gabo. Ele nos abriu o terreno, a dimensão estética, se encarregou de fazer o mais difícil. Agora não é preciso escrever sobre o Caribe. García Marquéz já o fez, e isso está assimilado à nossa cultura. Assim, podemos ir a outras altitudes, a outros horizontes.
Em comparação ao que Gabriel García Marquéz fez, como desenham-se os trabalhos do novos escritores colombianos?
Gabo era alérgico à ideia de incorporar noções intelectuais em sua obra. Mas, nós, escritores colombianos que viemos depois dele, não tememos as reflexões dentro da narração, não temos medo de acrescentar ideias e conceitos a nossos relatos. Enfocamos no urbano, no bairrista, com um estilo mais realista do que fantástico, e com interesse mais histórico que mítico. Mas não se pode comparar. Nem a ele, nem com os outros. Cada escritor tem que ter o próprio estilo e as próprias inquietudes.
Como você avalia o mercado editorial para os novos escritores colombianos?
Acho que vivemos aqui o mesmo que acontece no Brasil. As grandes editoras não se interessam muito em publicar livros de crônicas, contos ou poesias. Não é rentável. Elas preferem os romances, em especial, os que podem ser adaptados ao meios audiovisuais.
E o Brasil? Como conquistar os leitores do país com cultura e idioma distintos?
Gabo já dizia que o Caribe começa em Nova Orleans e termina no Rio de Janeiro. Não acredito que haja obstáculos culturais entre os dois países. Temos as mesmas raízes africanas, as músicas, os sabores similares. Temos o mesmo suingue, as mesma influência de paisagens, a mesma exuberância da natureza, que não se vê nos EUA ou na Europa, por exemplo.