Nahima Maciel
postado em 20/01/2015 08:00
Michel Houellebecq é um provocador, mas é também um autor de seu tempo e é com essa perspectiva que Submissão deve ser lido. Acusado de islamofóbico e inverossímil, o novo romance do mais polêmico dos escritores franceses contemporâneos é uma ficção política que imagina uma França islâmica em um futuro não muito distante, combinação suficiente para causar um mal-estar no momento em que o país incensa o discurso da união e teme um separatismo social.
[SAIBAMAIS]Houellebecq era a capa da edição do Charlie Hebdo publicada no dia dos atentados. Naquela quarta-feira, o escritor começava a campanha de lançamento do livro. O romance acabava de chegar às livrarias e já havia causado burburinho: o Libération se derreteu, o Le Monde o desconstruiu e boa parte da crítica, que costuma celebrar os livros de Houellebecq, ficou com o pé atrás. Imaginar uma França dirigida por um presidente muçulmano cuja única reivindicação é o Ministério da Educação ; ;quem controla as crianças, controla o futuro;, diz um personagem ; foi compreendido como uma ideia islamofóbica que, assim como as caricaturas de Maomé no Charlie Hebdo, poderiam alimentar a eterna má vontade dos franceses com seus conterrâneos de fé islâmica.
;A liberdade de expressão não pode parar frente ao que um ou outro entendem como sagrado, ela não precisa nem mesmo levar isso em conta. Ela tem o direito de jogar óleo na fogueira. Ela não tem a vocação de manter a coesão social e nem mesmo a unidade nacional;, escreveu o autor, em nota divulgada na revista Les Inrockuptibles, na semana passada. Assustado com os atentados e apreensivo, Houellebecq interrompeu a promoção do livro e se confinou no interior da França. Submissão é, de fato, tenso, independentemente da conjuntura. A narrativa direta e clara tem pouco da postura sarcástica dos outros romances do autor e parece, muitas vezes, falar de um panorama político e social muito parecido com o contemporâneo. Há nomes de políticos atuais ; como Marine le Pen, François Bayrou e Nicolas Sarkozy ;, referência a instituições conhecidas, como a Sorbonne e a agora famosa DGSI ; o serviço secreto que perseguiu os autores dos atentados do último dia 7;, e um constante questionamento sobre o fracasso da União Europeia.
Submissão, que está sendo traduzido pela Alfaguara e deve chegar às livrarias brasileiras neste semestre, não é o melhor romance de Houellebecq, mas é o mais incendiário e não é islamofóbico. O livro diz muito mais sobre a decadência europeia, a crise de valores, o individualismo ocidental e o desencanto diante dos rumos do continente do que sobre o Islã. Houllebecq exacerba uma situação para mostrar o desgaste de outra. E o faz com uma clareza e uma crueza tocantes.
Delicadeza explosiva
Amós Oz é de uma doçura comovente se comparado à brutalidade da narrativa de Michel Houellebecq. No entanto, em seu novo romance, o escritor israelense trata de temas tão violentos quanto a França islâmica imaginada pelo colega. Judas tem insuflado debates na comunidade judaica e cristã porque o autor apresenta o traidor de Cristo como, na verdade, o primeiro de todos os cristãos, o único que teria sido fiel a Jesus até a cruz e um injustiçado ao longo da história.
Mas Oz não faz isso em forma de ensaio, embora Judas carregue algo de ensaístico quando seu protagonista, Shmuel Asch, começa a discorrer sobre sua pesquisa. Asch é um estudante universitário cuja tese pretende mostrar Judas como um mártir e investigar como Jesus é visto pelos judeus. Após uma desilusão amorosa, o rapaz decide abandonar a academia e aceitar um emprego de garoto de companhia de um velho doente em uma casa na qual moram apenas o moribundo e uma mulher misteriosa. É a história de três pessoas muito solitárias, sensíveis, desiludidas e introspectivas que Oz começa a contar. Um triângulo se forma, sem nunca se efetivar. O que se efetivam com extrema lucidez são as considerações sobre o estado de Israel.
Trechos dos livros:
Submissão, de Michel Houellebecq
A reconstrução do Império Romano estava então a caminho e, no plano interior, Ben Abbes traçava um percurso sem falhas. A consequência mais imediata de sua eleição foi a diminuição da delinquência, e isso enormes proporções: nos bairros mais difíceis, ela foi praticamente dividida por dez. Um outro sucesso imediato foi o desemprego, cujas taxas estavam em queda livre. Era devido, sem dúvida, à saída massiva das mulheres do mercado de trabalho -- elas mesmas conectadas com a revalorização considerável das alocações familiares, a primeira medida apresentada, simbolicamente, pelo novo governo. O fato de que o pagamento estivesse condicionado à interrupção de toda atividade profissional incomodou um pouco, no início, à esquerda; mas, visto os números do desemprego, o incômodo cessou rapidamente. O déficit no orçamento sequer aumentaria: o aumento das alocações familiares era integralmente compensado pela diminuição drástica no orçamento da Educação Nacional -- de longe o maior orçamento do governo anterior. No novo sistema estabelecido, a obrigação escolar cessava no final do primário -- quer dizer, mais ou menos aos 12 anos (...)
Judas, de Amós Oz
;Ben Gurion errou quando desprezou uma política de não identificação e ligou Israel, numa ligação de vassalagem e escravidão, às potências ocidentais, e nem mesmo com a mais forte das potências ocidentais e sim exatamente com aquelas que estão se esvaindo -- a França e a Inglaterra. O jornal de hoje noticia mais de dezenas de mortos e feridos na Argélia. Constata-se que o exército francês baseado lá é categórico quando se recusa a abrir fogo contra os colonos franceses que se revoltaram. A França está escorregando agora para uma guerra civil e a Inglaterra, neste instante mesmo, está terminando vergonhosamente de recolher os destroços de seu império. Ben Gurion nos complicou numa aliança com barcos que estão afundando. Talvez você queira que em vez de mais um copo de chá eu sirva para nós dois um copinho de conhaque?;
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