Coerência é a palavra de ordem quando se assiste ao mais recente documentário de Paulo Henrique Fontenelle: em cena, há um furacão artístico que atende por Cássia Eller. Enquanto nas manchetes da mídia ela aparecia como um ;brotinho indócil;, ;Cássia cospe fogo; e ;macha, no bom sentido;, na vida real, a cantora tinha um comportamento mais tranquilo. Orquestrar os registros dessas duas frentes é o que dá consistência ao longa Cássia Eller, que estreia hoje nos cinemas de Brasília.
Há bifurcação também nos predicados da artista, que oscila entre exemplar e imperfeita. Mesmo para si, ela se apresentava em camadas e sem qualidades demarcadas. ;Pode não parecer, mas sou romântica pra caramba; é uma das declarações marcantes que, no filme, nos deixa mais perto da cantora,que se afastava de rótulos.
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Como pontua Zélia Duncan, a amiga causava, num primeiro momento, ;choque estranho ou imensa admiração;. Outras declarações relevantes são de Oswaldo Montenegro, a postos para explicar a maneira como a parceira descomplicou a polarização entre samba, MPB, blues e rock. Ângela Ro Ro recorda, jocosamente injuriada, que perdeu Malandragem para ;a mulher que canta muito;. Entre os rostos da capital, a pianista Dora Galesso favorece a imagem da mulher ;justa antes da Justiça;, ao comentar as implicações jurídicas que levaram ao pioneiro caso da guarda de Chicão, pela ex-companheira de Cássia, Maria Eugênia Vieira. Celebrado na letra de 1; de julho, o filho dá o mote divertido, já que, aos 6 anos, indicava preferência musical por Marisa Monte.
Afastado de qualquer feição de réquiem, o filme se afirma no largo e arrebatador sorriso de Cássia Eller. Antes de aparecer, marota, ;sondando, atrás de pai; para o futuro filho (nascido em 1993), a cantora desponta numa fase moderada, por raras imagens de Brasília. É desenrolada a época da participação em Gigolôs (de Alexandre Ribondi); o êxito de chamariz, como atração do Bom Demais e até revelado o ;beijo roubado; por parte da soprano Janette Dornellas, colega do show Dose dupla.
Entrevista com Paulo Henrique Fontenelle
A imagem de Cássia se transformou para você?
Durante muito tempo, só conheci a Cássia que era noticiada: rebelde e que fazia loucuras no palco. Sabia também da timidez dela e achava isso fascinante. Cada vez que me aprofundava mais, maior a admiração que tinha pela pessoa. Além de todo o talento vocal, ela era simples e humilde. Ela queria emocionar as pessoas e era carinhosa com quem a cercava. Tinha muito amor pelo filho e pela família. O oposto do que era visto no palco. Tudo o que ela falava era honesto, não escondia nada de ninguém. Sempre assumiu as posições, com total naturalidade. Isso foi inspirador e encantador.
O que foi mais inesperado de desvelar, nessa trajetória?
Em 2011, pela primeira vez, a banda se reuniu para tocar num tributo. Lá, me contaram que, no auge do sucesso, com músicas na rádio, com shows pelo Brasil inteiro, Cássia dava uns perdidos no empresário e ia para o interior para tocar em barzinhos, botecos e churrascarias, quase de graça (risos). Só pelo prazer de cantar. Ela não tava nem aí para fama, vaidade e dinheiro. As imagens desses shows são inéditas. Eu quis contar a história dela de uma maneira completa. Não poderia faltar a visão da carreira como um todo, ao mesmo tempo em que não podia evitar a abordagem humana.
Chicão, o filho, tem uma participação modesta na fita, não?
Ele é muito gente boa ; muito paz e amor, totalmente no espírito da Cássia. Chicão adora música e ouvir as histórias da mãe dele. Só que ele é muito tímido, que nem a Cássia, e não traz semelhanças apenas em termos físicos. Foi complicado entrevistá-lo, por ficar nervoso, suando (risos). Ele não se lembra da Cássia artista, se lembra da mãe que andava de skate e jogava futebol.
Que legado Cássia Eller deixou?
Quisemos mostrar a Cássia de forma diversa de uma produto, que todos já conhecem. Quisemos mostrar por inteiro e real. Cássia nunca escondeu nada: respondia, quando perguntada, ;gosto de cocaína;. Usamos sinceridade e delicadeza, num filme que, talvez, ela gostasse de assistir. A pressão do sucesso, isso de realmente alcançá-lo, foi a deixando ansiosa e triste. Pelos compromissos, ela sentia saudades, falta das pessoas. Mesmo sem falar muito, o discurso que ela deixa como legado é que conseguia influenciar as pessoas pelas atitudes tomadas.
[SAIBAMAIS]A sua relação com música foi decisiva para efetivar o projeto?
Eu adoro música ; para mim, é a coisa mais importante da minha vida. O cinema é uma maneira de compensar minha frustração de músico (risos). Não conheci a Cássia, e apenas fui uma pessoa que, nos anos 1990, cresceu acompanhado por ela como trilha sonora. Maria Eugênia (ex-companheira) e o Chicão (filho de Cássia) atenderam a um contato, por e-mail. Eles gostaram do meu olhar, por causa do Loki ; Arnaldo Baptista (2008). Então, me deram total liberdade, mas claro que mantive o respeito, como toda pessoa merece. Maria Eugênia só foi ver o filme quando estava pronto.
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