Numa sala de edição de imagens, dedos são mutilados, enquanto em frente às câmeras, um líder de nação borra as calças. Descontada a escatologia, se trataria de uma comédia corriqueira, não fossem os bastidores de A entrevista. Estrelado por James Franco e Seth Rogen, o filme é um ataque ostensivo à imagem de Kim Jong-un, o líder supremo da Coreia do Norte. Corre-corre em cima de uma piada única ; dois produtores de tevê acatam missão da CIA para ;apagarem; o ditador ;, A entrevista desencadeou raros episódios para a indústria do cinema, a partir da dose de inconsequência.
Com módica bilheteria de US$ 6 milhões (nos Estados Unidos), a fita segue, há quase dois anos, uma estrada acidentada. Reclamações formalizadas na ONU, por parte dos norte-coreanos; fronteiras digitais rompidas, em atos de pirataria, e um lançamento visto como ;ato de guerra; cercam o filme assinado por Evan Goldberg e Seth Rogen.
Um grupo intitulado Guardiões da Paz assumiu ações invasivas aos sites da Sony e proclamou ;a quebra da paz e o desencadear de guerra;, no caso da liberação do filme que chegou de modo alternativo às telas norte-americanas e canadenses, no Natal passado. De imediato, os ataques cibernéticos resultaram na exposição das secretas negociações entre a Sony e a Marvel para novo filme com a figura do Homem-Aranha e o vazamento do esboço do roteiro do novo longa de James Bond, Spectre.
Piadas?
Logo no começo de A entrevista, uma menininha asiática canta, e contrapõe, conceitos de felicidade, paz, fome. Citando a arrogância e a burrice dos estadunidenses, conclui: ;morra, América, morra;. Há um ímpeto, na narrativa, para que sejam vistas as ;eleições democráticas; na nação do autoritário líder que, reza a lenda, não faz xixi nem número dois. Apreciador de margaritas e de Katy Perry, no filme, o ;Deus para 24 milhões de pessoas; pode ser festeiro, fumar baseado e distribuir beijos na boca, tudo em nome de comédia.
Acatando senso-comum, os personagens estariam em terreno em que cachorros são comidos e no qual um ;mestre da manipulação; falaria com golfinhos e zelaria por falsas imagens de auto-suficiência e prosperidade para a Coreia do Norte. No roteiro, sobram ataques cômicos para judeus e há piada contra mulheres: ;É 2014, e as mulheres são inteligentes, agora;, diz um dos personagens.
[SAIBAMAIS]Não faltam também menções, em linha agressiva de questionamentos, de que 66% da nação norte coreana teria fome e que a profusão de campos de concentração não seria mal debelado por Kim Jong-un. No jogo de tensões e choques culturais, aparecem citações divertidas ao raper Eminem, aos mundos de The big bang theory e O senhor dos aneis.