Rui Martins - Especial para o Correio
postado em 06/02/2015 17:19
Berlim- Jafar Panahi, cineasta iraniano, libertado da prisão, mas proibido de sair do país, razão pela qual seu filme Taxi, não teve a costumeira entrevista coletiva dos realizadores com a crítica, foi proibido de filmar. Entretanto, Panahi sempre encontra uma maneira de fazer seu filme, mesmo porque, como consta de um testemunho próprio escrito, distribuído pelo Festival, filmar faz parte de sua vida.
[SAIBAMAIS]E acontece aquele paradoxo, sob pressão e proibições os artistas têm as melhores inspirações, como ocorreu na nossa época de ditadura. Assim, Panahi, cujos filmes premiados em Locarno e Veneza, incomodavam o governo iraniano a ponto de ter sido preso, continua criativo e cada um de seus filmes ganha prêmios em Berlim.
Desta vez, Panahi teve a idéia de se transformar num chofer de táxi para colher as impressões de seus usuários. durante o trajeto. Chofer de táxi e barbeiro são os profissionais que concorrem com os psiquiatras, pois seus clientes, valendo-se do fato de serem desconhecidos, desabafam e chegam mesmo a transmitir críticas impossíveis de se colher numa entrevista.
O filme Taxi de Panahi tem essa originalidade de se ver, talvez pela primeira vez, um renomado e premiado realizador, tomar o lugar de um chofer de táxi. E seus passageiros, mesmo provavelmente programados, vão fazendo suas críticas como passageiros comuns. "Depois da China, é o Irã onde mais existem penas de morte", diz uma passageira professora, usando seu véu preto sobre a cabeça. Com ligeiras variações de cor, todas as mulheres vistas passando pelas ruas observam a lei corânica e, embora Brasil e Irã sejam parecidos em muitas coisas, são totalmente diferentes quanto ao visual feminino, vistas as proibições de mostrar braços e pernas.
A conversa no táxi entre um passageiro favorável, que não declina sua profissão, deixando a impressão de ser alguém próximo do governo, esquenta quando se trata da discussão da aplicação da chariá a lei religiosa que é também o código penal. A conversa era sobre algo um tanto lúgubre, o enforcamento de um casal de ladrões, transmitido pela televisão.
Mais tarde, a passageira é uma vendedora de flores, cujo marido advogado está proibido de exercer, não fica claro se participou de processos envolvendo opositores ao governo. E, enquanto o taxi roda, comenta-se a recente prisão de uma mulher presa por ter tentado entrar numa competição esportiva. Panahi interrompe o trajeto de duas senhoras preocupadas com seus peixinhos vermelhors, cujo aquário se despedaça numa brecada inesperada do taxi. E vai buscar a sobrinha na saída da escola, interessada também em fazer um curta-metragem.
E consultando seu caderno, ela vai dizendo quais são as regras, ditadas por sua professora, para se fazer filmes, um rosário de censuras a serem seguidas pelos realizadores, que felizmente desde Abas Kiarostami, os grandes realizadores iranianos conseguem obedecer mas driblando e criando obras-primas.
É sabido não entrar no Irã os filmes americanos, mas um dos clientes do taxista Panahi é um vendedor de dvds piratas, como os que se vendem na rua Augusta em São Paulo ou na entrada do Mercadão. Panahi acaba comprando um CD pirata de algum músico local.
Enfim, Taxi de Jafar Panahi é uma pérola rara, logo no começo do Festival de Berlim, um filme no qual se transmite com o sorriso constante de Panahi, trechos da vida cotidiana e das críticas comuns na boca do povo, quando se vive num país de liberdade controlada.