Nahima Maciel
postado em 13/02/2015 09:34
Centenas de pessoas, entre familiares, amigos e admiradores se despedem da artista plástica Tomie Ohtake nesta sexta-feira (13/2) no Grande Hall do instituto que leva o seu nome, na Zona Oeste de São Paulo. O velório é aberto ao público e o instituto ficará fechado ao longo do dia. Depois das 14h, o corpo será levado para o Crematório do Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, em cerimônia reservada à família. Ohtake morreu devido a um choque séptico causado por broncopneumonia.
A artista viveu até os 101 anos, completados em novembro de 2014, mas faleceu na tarde dessa quinta-feira (12/2), às 12h45, no Hospital Sírio Libanês. A artista estava internada desde o dia 2 em consequência de uma insuficiência pulmonar causada por pneumonia. Na terça, sofreu uma broncoaspiração enquanto tomava o café da manhã e foi encaminhada para a UTI. Até a manhã de ontem, o estado de Tomie era considerado estável, mas no início da tarde seu estado de saúde piorou.
Tomie se considerava brasileira e brincava que se sentia no exterior quando visitava o Japão, mas o Oriente sempre emergiu com clareza na obra da artista. Nascida em Kyoto, em 1913, ela se naturalizou brasileira apenas em 1968. O gesto econômico como a fala e expressivo como o movimento foi a base das pinturas e esculturas. Os poucos quadros figurativos, pintados na década de 1950, mostram paisagens urbanas dos lugares pelos quais a artista passou, casinhas e bairros no Japão ou em São Paulo e uma ou outra natureza morta. Mas foi por pouco tempo.
Em 1953, as formas começaram a se diluir em traços mais abstratos e abriram caminho para a estrada que levou a artista ao coração da arte brasileira. ;A obra da Tomie tem uma característica oriental fortíssima, mas consegue juntar duas coisas antagônicas: força e delicadeza. É o que faz o trabalho dela ser tão especial;, diz a curadora Denise Mattar. ;É uma grande figura que desaparece da cena da arte brasileira. Foi uma pessoa que atravessou com grande destaque os movimentos da arte que aconteceram entre nós e sempre de um modo muito discreto como persona;, repara crítica Aracy Amaral, autora de 23 livros sobre arte brasileira. ;Mas o visual da obra dela vai permanecer entre nós. Como escultora, ela adotou a cidade. Foi uma vida muito longa e prolífica.;
Desenhos
A artista casou-se logo que chegou ao Brasil. Durante 15 anos, dedicou-se à família e à criação dos filhos, o arquiteto Ruy e o designer Ricardo. Somente aos 39 começou a pintar com seriedade e compromisso, mas ela costumava contar que os desenhos nunca saíram de sua cabeça. ;Durante 15 anos, achei minha família mais importante, mas minha cabeça sempre pintava. Quando comecei, não queria mais o figurativo. Pensei ;vou fazer outra coisa;;, contou ao Correio, durante uma entrevista realizada em sua casa no Campo Belo, em São Paulo, em 2002. ;No Japão, a decoração de casas é muito simples e todos os objetos são significativos. Eu não procurava isso, mas como era oriental, vinha naturalmente. Tirei o figurativo para deixar só o significativo.;
Tomie fazia parte de uma linhagem especial de artistas nipo-brasileiros que trouxeram para o Brasil uma arte abstrata até então desconhecida. Ao lado de Manabu Mabe, ela participou do Grupo Seibi, que reunia boa parte desses artistas, e realizou mais de 14 exposições entre a década de 1930 e 1970.
Na década de 1960, manteve intenso diálogo com os neoconcretos brasileiros, especialmente com Willys de Castro, Hércules Barsotti e com o crítico Mario Pedrosa, que sugeriu a leitura do filósofo Merleau-Ponty. Este último ocupou papel fundamental no pensamento artístico de Tomie, que passou então a fazer uma série de pinturas com os olhos vendados e o foco no gesto.
Consagração
Mais tarde, o crítico e curador Paulo Herkenhoff nomearia essas composições de ;Pinturas cegas;. Entre as décadas de 1960 e 1970, a artista também participou de duas bienais de São Paulo e uma de Veneza, além de vários panoramas da arte brasileira. Em 1983, ganhou a primeira retrospectiva, realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Foi um marco para o museu, então dirigido por Pietro Maria Bardi. Cerca de 4 mil pessoas estiveram na abertura da mostra. Em 1996 veio a consagração, com uma sala especial na 23; Bienal Internacional de Arte de São Paulo.
[SAIBAMAIS]A pintura gestual, na qual um traço marcado pelo gesto do artista é o centro da composição, se ramificava pela escultura, uma parte importante da produção de Tomie. Sempre de grande porte, pensada para espaços públicos e de circulação de pessoas, as esculturas carregam uma combinação cara para artista: a relação entre forma e cor e a fluidez que faz a obra flutuar no espaço. Para elas, Tomie não queria o equilíbrio. As curvas sempre presentes encontram um desequilíbrio harmônico nas peças em escala monumental. ;Coisas em equilíbrio estão sempre sem mexer. Mexendo ficam muito mais interessantes;, dizia a artista, cuja obra muitas vezes foi associada ao concretismo, embora ela rejeitasse a ligação. Tomie dizia que não desenhava a perfeição, como os artistas concretos, e investia sempre no traço livre.
Homenagem
Em Brasília, há uma boa amostra da produção da artista. Suas esculturas estão nos jardins do Hotel Royal Tulip, projeto do filho Ruy, e em frente ao edifício Number One. Em São Paulo, uma de suas obras públicas mais conhecida é a escultura em concreto armado de 30m de comprimento na Avenida 23 de Maio, uma homenagem aos 80 anos da imigração japonesa. Outra obra bastante conhecida é o painel Quatro estações, na Estação Consolação, no metrô paulistano. Também é da artista o misto de painel e escultura no Auditório do Parque Ibirapuera, um projeto de Oscar Niemeyer.
Em 2001, Tomie recebeu uma das maiores homenagens de sua carreira, graças aos filhos. Fruto de uma parceria entre o laboratório Aché e Ruy, o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, abriga um dos mais importantes centros culturais privados da cidade. A última grande exposição da artista em Brasília aconteceu em 2006, quando o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) realizou uma exposição com 10 trabalhos selecionados pelo curador Miguel Chaia para a mostra Tomie Ohtake: esculturas.