Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Chefs e curadores brasilienses debatem os limites entre criar e cozinhar

E ai, gastronomia é arte?

Comer com os olhos. Antigamente, a expressão se restringia a somente uma interpretação: pratos culinários precisam abrir o apetite, fazer o comensal salivar e despertar o desejo de degustá-lo. No entanto, uma exposição em cartaz em São Paulo tem levado a criação gourmet a outros patamares. Trata-se da mostra Alimentário ; Arte e construção do patrimônio alimentar brasileiro, que cria relações entre a comida e o imaginário cultural. Com elementos que remontam à alimentação, os pratos fotografados são alçados ao posto de obra de arte.

A exposição apresenta, de forma inédita, criações de chefs e artistas plásticos brasileiros, como Alex Atala e Vik Muniz, em uma mesma narrativa. A convite do Correio, pratos de quatro chefs brasilienses foram analisados por curadores para tentar solucionar o imbróglio: afinal, gastronomia é arte?

Gastronomia para ver

Chef: Lui Veronese, do Cru.
Prato: Caviar de morango (esférico de calda de morango) com creme de leite fresco batido e morangos frescos, redução de aceto balsâmico e suspiro desidratado de limão.


Análise de Jackson Araujo, consultor de conteúdo de mídia, diretor criativo e de conteúdo do Retrato Brasília.

Quando vi a foto, logo pensei na língua vermelha de Tomie Ohtake lambendo as curvas brancas de Niemeyer no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Comida com apelo visual erótico, assim como a arte, mexe com os sentidos. ;Comer com os olhos; diz muito sobre o desejo de espectador sobre o objeto observado. A construção do prato propõem equilíbrio de forma, cor e textura. O chef, como um pintor, aqui é artista e, como tal, convida ao deleite.


Chef:
Agenor Maia, do Olivae.
Prato: Frango com gema confitada no óleo de pequi.


Análise de Manuel Neves, curador uruguaio radicado em Brasília.

Em geral, podemos relacionar a estética dos pratos e da gastronomia com a tradição da arte abstrata e em alguns casos com as da arte concreta, mas a imagem que analiso escapa um pouco a esta regra, já que tem elementos figurativos. Duas obras de mestres podem ser usadas como referência: Copo de absinto, de Pablo Picasso, pela forma escultural vertical e pela presença de uma colher, e Manora preto, de Nuno Ramos, pelos elementos orgânicos e aquosos. Assim, o jogo de contornos e cores fica em permanente oposição. Horizontais e verticais, amarelos e púrpuros põem em cena metáforas sobre a dinâmica eterna da matéria, em sua incessante mutação, de sólido a líquido, de líquido a gasoso.


Chef: Leandro Nunes, do Jambu.
Prato: Contrafilé com molho de açaí.


Análise de Suzzana Magalhães, curadora independente e Coordenadora Cultural da Aliança Francesa em Brasília.

Me lembra uma pintura abstrata. Temos círculos rosas com o interior branco, temos formas ovais verdes, temos um semicírculo marrom e uma forma mais orgânica embaixo, amarela. O fundo, um prato branco, como uma tela. Vejo também uma mistura de texturas. Os rabanetes têm textura mais áspera, o filé parece úmido, o molho amarelo tem um aspecto mais fluido que dá até sensação de ser frio. Tem também as beterrabas e as cenouras, para dar um tom mais quente, juntamente com os tons verdes e amarelos em contraposição ao molho vinho, que ocupa boa parte do prato. Pelo geometrismo, o que mais me lembra, mesmo, são as pinturas da Bauhaus.


Chef: Carlos Araújo, do Santé 13.
Prato: Rabanada com banana-da-terra cortada em rodelas ao molho de tangerina, com bola de sorvete de canela e crocante de caramelo.


Análise de Lucas Hamu, sócio e um dos curadores da Galeria-café Objeto Encontrado.

Difícil avaliar quando o que está em jogo é a pergunta ;comida é arte?;. Em um primeiro momento, tenderia a dizer que sim, sem muito pudor de simplificar a questão. Afinal, a gastronomia se constitui por uma tradição tão rica e complexa quanto qualquer outra linguagem artística. Mas talvez uma tentativa de definição de arte não seja a questão da vez. Do contrário, seguiria a narrativa contemporânea segundo a qual a forma da recepção aparece em maior destaque que o próprio objeto artístico.


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