Diversão e Arte

Vanguarda Paulista: um movimento que marcou a cultura do Brasil

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira

postado em 21/04/2015 07:35 / atualizado em 24/09/2020 12:19

Itamar Assumpção lançou seu clássico Beleléu, Leléu, Eu, ao lado do Isca de Polícia, no lendário espaço Lira Paulistana

Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Grupo Rumo, Premeditando o Breque, Isca de Polícia e Língua de Trapo são nomes que constituíram um dos movimentos culturais mais importantes e interessantes desde a Tropicália de Caetano Veloso, Gilberto Gil e companhia: a Vanguarda paulista. A busca pela subversão e contrapropostas marcou para sempre a música popular brasileira, que até hoje ouve os ecos dessa cena que se encerrou há três décadas.

Apesar de trazer o título de vanguarda no nome, os próprios artistas não se viam como tal. O termo veio de fora para dentro. Como alguns dos principais artistas eram também alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e, na época, estudavam música de vanguarda no terreno erudito, não demorou para que a imprensa os batizasse de Vanguarda paulista.

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;Essa ponte foi feita imediatamente, eles nos rotularam assim. Não gostávamos muito da denominação porque já estava desgastada. Ao mesmo tempo, a gente assumia que estava propondo uma nova maneira de compor. As músicas eram diferentes, estranhas, esquisitas e engraçadas. Não era algo que se tocava nas rádios;, explica Luiz Tatit, cantor e compositor que fez parte do Grupo Rumo.

A intenção de fazer algo diferente do que se tocava na tevê e nas rádios acabou por restringir o alcance do movimento a nichos universitários. Os jornais abraçaram a causa e noticiaram o trabalho dos paulistas.

Arrigo Barnabé, um dos principais expoentes da vanguarda, conta que a intenção era se tornar popular. No entanto, os obstáculos impostos pelo mercado na época acabaram por restringir o alcance daquela nova música. ;De certa forma, entramos em um mainstream cult, algo mais reservado, mas não no âmbito da música popular brasileira. Fizemos um trabalho que repercutiu bastante, influenciou muita gente, mas sempre existiu uma oposição muito forte da tevê e das rádios.;

A música de Arrigo era a mais agressiva da Vanguarda aos ouvidos menos tolerantes. Bebendo da música erudita e aplicando novos conceitos a elementos populares, o artista experimentava elementos da dissonância rítmica e intervenções vocais, culminando em obras como Diversões eletrônicas e Clara Crocodilo.

A razão pela qual Arrigo acredita não ter obtido espaço na mídia tradicional era, justamente, a música ;radical demais;.

O Lira Paulistana

Em frente à Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, estava o espaço que viria a se tonar a sede cultural da cena artística que tomava forma. ;O Lira não era balada, era um espaço onde o foco principal era aquilo que estava acontecendo no palco. Era o artista, não outras coisas. As pessoas não ficavam conversando, não tinha garçom;, conta Wilson Souto Jr., um dos sócios-proprietários do Lira à época.

Ele, que atualmente prefere ser chamado de agitador ou animador cultural, lembra que, quando músico, sentia a necessidade de um local onde novas propostas pudessem se manifestar. Surgia aquele que seria o denominador comum da Vanguarda paulista. ;O cenário era de pós-ditadura. As pessoas buscavam um espaço onde se sentiriam livres para mostrar o próprio trabalho. O bacana foi que os jornais aderiram às tentativas de linguagens novas. A participação das pessoas também fez com que o espaço tivesse essa aura artística bastante grande. Havia lançamento de discos, de livros, exposições de quadros... Tudo isso num galpão de 450 metros quadrados.; Mais tarde, o Lira se tornaria um selo independente, com lançamento de diversos discos, inclusive o clássico Beleléu, Leléu, Eu, de Itamar Assumpção e Isca de Polícia.

Gênio incompreendido

A artista Anelis Assumpção, filha de Itamar, lembra que o pai nunca ambicionou fazer uma música de vanguarda. ;Ele nunca disse ;agora sou vanguardista, vou fazer uma música assim ou assado.; Ele sempre continuou fazendo o que ele fazia, da forma como achava que tinha que acontecer. Eu ainda vejo a dimensão do movimento da Vanguarda acontecendo depois. Agora, embora ainda seja pouco consumido e valorizado, ele está sendo dimensionado.;

Para Wilson Souto Jr, ;Itamar Assunção é uma descoberta para muita gente no Brasil inteiro. As pessoas até têm referência, mas não têm o conhecimento mais profundo da proposta artística dele, do Rumo. Na verdade, isso não atingiu o grande público.; O produtor afirma que ainda existem pessoas à procura das obras de Itamar nos catálogos da gravadora. ;Até hoje vende. Mantenho todos os discos aqui, é uma referência extremamente moderna;, afirma. Segundo a cantora brasiliense Gaivota Naves, que conta ter sido influenciada pela Vanguarda paulista, ;Itamar Assumpção é o cara mais injustiçado da música brasileira. Ele trouxe poesia para a música, foi genial. A maior característica da Vanguarda foi essa busca por uma linguagem múltipla.;

A recusa de mídias como rádio e televisão, o surgimento de outros espaços físicos que fizeram frente ao Lira Paulistana, acabaram por lançar a Vanguarda e seus integrantes à margem do imaginário popular. Aquilo que era tido por movimento foi tomando por outras direções. Apesar de nunca ter, de fato, sido uma música das massas, a produção musical de diversos artistas ;vanguardistas; se manteve ao longos dos anos, até dias atuais. Seja pela voz própria, dos filhos ou pela influência de três décadas atrás, a Vanguarda paulista ainda mostra as múltiplas faces e há de ser compreendida.


Mistura
Principais grupos e artistas para se entender a Vanguarda paulista:

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira
; Arrigo Barnabé
; Itamar Assumpção
; Premeditando o breque
; Grupo Rumo
; Língua de Trapo


Herança
Filhos dos músicos que seguiram carreira artística:

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira
; Anelis Assumpção ; A filha de Itamar Assumpção começou a carreira fazendo backing vocal na banda do pai. Em 2007, começou carreira solo. Já lançou dois discos.

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira
; Tulipa Ruiz (foto) e Gustavo Ruiz ; Os filhos de Luiz Chagas também estão envolvidos com a música. Tulipa já lançou dois discos, enquanto Gustavo está envolvido na produção de discos de bandas.

; Tim Bernardes (banda O terno) ; Filho de Mauricio Pereira, d;Os Mulheres Negras, atua como pianista, vocalista e guitarrista da banda O terno, que tem dois discos e um EP.

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira
; Laura Lavieri ; Filha de Rodrigo Rodrigues, do Música Ligeira, a cantora, além das canções próprias é conhecida por participações nas músicas de Marcelo Jeneci.

; Mariana Aydar ; Filha de Mario Manga, do Premê, é dona de quatro discos e mais seis singles. Começou a carreia nos anos 2000, com 20 anos.

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento, que impactou a história cultural do país e chegou ao fim há 30 anos, tem reflexos até hoje na cultura brasileira
; Iara Rennó ; A filha de Alzira Espíndola e Carlos Rennó começou a carreira ao lado da mãe e também integrou a banda de Itamar Assumpção.

; Marina Wisnik ; Filha de José Miguel Wisnik, ela começou a carreira com apresentações em espaços alternativos de São Paulo. Tem um disco gravado.

Com informações de Mateus Vidigal

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