Ricardo Daehn
postado em 22/04/2015 11:19
"Numa oportunidade de falar diretamente com o público, diria: entrem para ver um filme, sem preconceitos. Deixe do lado de fora da sala suas ideias preconcebidas", observa o cineasta Vladimir Carvalho, em plena celebração dos 80 anos, como homenageado do festival É Tudo Verdade. Já foi o tempo em que o cinema dialogava com as massas, como Vladimir bem sabe, se readequando à nova conjuntura. "Muito mudou, com a existência da tevê, em cada casa de brasileiro e com o fator do cinema de shopping. Hoje, agente está falando para a classe média. É quem ainda vai ao cinema. Antigamente, quem ia à geral do Maracanã podia pagar um cinema também", relembra o diretor que, hoje, a partir das 19h (na livraria Cultura do Iguatemi), lança o mais novo livro dele, Jornal de cinema.
Curioso é relembrar um trecho de Cinema Candango - Matéria de jornal, feito por 12 anos, época em que a classe média não passava pelo atual arrocho. No atual livro, são esperadas reflexões que toquem à classe média, "onde está localizado o intelecto cooptado pelo próprio sistema, que vive às suas expensas", pelo que Vladimir já definiu no passado.
[SAIBAMAIS]Um dos insights atuais brota da fala astuta de Vladimir: "O cinema brasileiro vai muito bem, obrigado, mas sem ter resolvido a questão do seu território: não tem o seu mercado. A nossa atividade é organizada num mínimo vazio, entre um blockbuster e outro filme que chegue às telas com 900 cópias. Temos que inventar uma saída para essa questão. Somos um país que mira os movimentos do outro, do alienígena que chega às telas, para então conseguir seu espaço". Atualmente, o diretor anda intrigado com afirmação do documentário que, passados 15 anos, tem sido combatida. "Querem empurrar o documentário só para a televisão, o que é um erro crasso. Nós injetamos uma energia e uma força criativa enorme e queremos ganhar é o mesmo espaço do filme de ficção", argumenta.
Ainda na celebração dos 80 anos, completados em janeiro passado, Vladimir Carvalho terá projetados 27 filmes que produziu (a partir do dia 29 de abril), nas telas do CCBB. "Não programei, para realizar, por exemplo, o que chamam de trilogia de Brasília: faz parte do meu movimento de espírito, de alma; das preocupações com o que está em volta", explica. De modo "quase involuntário", ele conta que fez Conterrâneos velhos de guerra (1990), com a história da construção da cidade; um filme extremamente político que foi o Barra 68: Sem perder a ternura (2000), com denúncia e Rock Brasília - Era de ouro (2011), com o aspecto da cultura de Brasília - coisa que ainda não tinha abordado antes, pelo que explica.
De toda a filmografia, o diretor conta que espera recursos para restaurar um filme cujo negativo se perdeu: Vestibular 70. "Por decurso de prazo, ele virou uma lata de mel", conta. Num painel, a filmografia, às vezes, desperta surpresa para o próprio criador. "Às vezes, há fitas que não são tão comuns na minha filmografia. Pude ir de um filme como O engenho de Zé Lins até um Rock Brasília - Era de ouro, sem sentir a menor diferença porque a curiosidade é coisa que tenho até hoje. Me sinto, até agora, em movimento", conta. Um ponto, reflexivamente, foi integrado à toda a obra. "Com uma atitude diante da realidade, eu presto atenção na transformação. Gosto de ver como se comportam classe dominante e a não dominante: quem explora está implícito, como questão de fundo. O indivíduo tem que se dar conta, ao enfrentar um universo desafiador. Justiça e injustiça são simbióticos para se fazer um filme", conclui.
Aperitivo
"No caso de Brasília, nenhum programa de política cultural poderá ser levado a efeito se não atentar em primeiro lugar para a composição socioeconômica do DF, para os modos de produção aqui desenvolvidos, para a natureza e relações dos diversos organismos que no nível institucional têm a seu cargo a promoção e a ativação das manifestações culturais e artísticas"
Trecho de A cultura dominante, capítulo de Cinema Candango - Matéria de jornal, publicação de 2003.