Diversão e Arte

Lenine faz analogia entre carbono e referências sonoras no novo projeto

Cantor segue com experimentações, mas volta às origens ao cantar ritmos pernambucanos

Rebeca Oliveira - enviada especial
postado em 11/05/2015 09:28
Meio pernambucano, meio carioca, Lenine não lançava um disco com canções novas desde Chão, de 2011
São Paulo
; Um átomo de carbono compõe do grafite ao diamante. Híbrido, o elemento é capaz de fazer complexas ligações químicas e se metamorfosear. Se aplicadas ao meio musical, as características caberiam perfeitamente como a definição para Lenine. Engenheiro químico, o artista evidencia, no novo projeto, a capacidade de transmutação. Daí, surgiu o nome do disco: Carbono.

Cada vez que lança um álbum de inéditas, Lenine mergulha em experimentações sonoras. As justaposições de diferentes gêneros e escolas musicais são recorrentes nas mais de três décadas de carreira. No entanto, em Carbono, Lenine é mais Nordeste: tem pés no frevo, no manguebeat, no noise de Chico Science, na ciranda e também no maracatu.

[SAIBAMAIS]Curiosamente, numa das músicas, Não deixo a vida me levar, emula contrastes entre ele e Zeca Pagodinho, que também lança álbum. Um brincadeira com o antigo conhecido do samba e da boemia carioca.

A ligação com a região se evidencia na parceria inédita com os conterrâneos do Nação Zumbi (em Cupim de ferro) e com o reencontro com Carlos Malta (A causa e o pó).

Confira entrevista com o cantor Lenine

Você se utiliza do frevo e do maracatu em algumas canções de Carbono, mas sem soar como música regional. Como isso é possível?

Acredito que para perceber uma coisa, qualquer coisa, é preciso observá-la de longe. Diferentemente dos meus outros projetos, que eram fazer um disco e me dedicar um tempo a formatá-los, nos dispomos a criar tudo simultâneo em Carbono. Ainda não tive o tempo de gestão que achávamos, antes, ser necessário. Foi um processo novo para mim, acontecer o processo no estúdio e, em um mesmo momento, aquele repertório ser a mola propulsora para o espetáculo. Depois de tantos anos fazendo música da maneira que faço, hoje, entendo que tudo em música são degraus.

É um disco pernambucano?

Sim, há legendas que remetem a isso, mas é mas abrangente, tem a alma nordestina, mas não é regionalista. Ele tem uma contemporaneidade, essa ligação com a música que não necessariamente é de raiz. É uma música do mundo. Talvez, nesse projeto, em relação aos últimos, o Nordeste esteja bem evidente. Tem essa coisa da celebração com os amigos, os parceiros que tenho feito ao longo dos anos. Não por acaso, trago a holandesa Martin Fondse Orchestra, o músico Carlos Malta e seu pife, Marcos Suzano, amigo desde Olho de peixe, a baiana Orkestra Rumpilezz, que faz um trabalho muito bacana, com ancestralidade; Tudo isso é Nordeste. É um maravilhoso estímulo exercitar esse poder de criação, como no caso do Nação Zumbi. Gravados à maneira deles. Perguntei a eles como faziam, porque queria respeitar a mecânica e o jeito deles de realizar uma canção. Hoje em dia, os recursos disponíveis facilitam muito um projeto como esse.

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Ney Matogrosso produz discos pensando em como podem render um bom show. Você também?

Desde sempre, são duas questões diferentes. Uma coisa é fazer o disco, que é algo maluco. O estúdio parece um hospital, todo isolado acusticamente, tem aquele peso, as máquinas e você tem que gravar emoção. E no palco é o contrário, mas ele só acontece a partir da emoção, do estímulo, do aqui e agora. Quando estou num estúdio fazendo um disco, uso uma lupa diferente da que necessito para um show. São mecânicas bem distintas. Ao longo de toda a minha vida, depois do disco feito, não o ouço mais. Começo a pensar no show, em como resolvê-lo. A novidade com Carbono é pensar no repertório e no espetáculo ao vivo, ao mesmo tempo em que gravava. No início de fevereiro, me impus que queria estrear um novo espetáculo no dia 30 de abril. Queria que meu convidado já tivesse o objeto físico na mão.

Há alguma razão para a escolha dessa data?

Não, é um estímulo. A gente lida com essa auto-imposição. O tempo todo eu questiono os fazeres. Quando estou gravando, e me perguntam o que estou fazendo, não respondo que é apenas um disco. Digo que é a fotografia de um repertório inédito que me permite gerar um show. Isso já está na minha equação. Em Chão, meu projeto anterior, conheci a importância da espacialidade do som. Descobri que e me apaixonei, não tem mais volta. Isso muda tudo na equação. Quando estou gravando me preocupo em ter recursos sonoros que, ao vivo, possam dar estímulos espaciais a quem está assistindo. Isso mudou na hora de fazer Carbono. Posso soar como um pai falando do filho novo, mas essa mudança na equação mudou tudo.

Vejo uma semelhança conceitual entre você e Bj;rk. Os dois preocupam-se com a arquitetura da música, unindo novas tecnologias e elementos orgânicos. A islandesa a motiva de alguma maneira?

Sou um grande fã e vejo algumas semelhanças entre nós. A maior delas é entender que música não é só entretenimento. Bj;rk está no MoMa com uma exposição incrível, um projeto sonoro tão bacana e que mostra até onde ela pode levar um artista. Muita gente tem esse interesse e extrapola esse universo, dialoga com artes plásticas, com arquitetura, com outras formas de expressões. A palavra, por exemplo, é um fator fundamental no que faço. Acredito que 50% do meu trabalho é baseado na palavra. Mas ela não tem muita evidência num primeiro momento, porque o que captura o ouvinte no começo é a sensação, algo mais generalizado. Depois é que há essa compreensão, a leitura da composição.

Concorda quando dizem que houve um empobrecimento nas composições?

De modo algum. Eu tenho muito pouco tempo para ouvir coisas novas, mas tenho três filhos que são o meu filtro e que tem me mostrado muita gente boa. Não posso concordar com essa premissa. A resposta é a procura. Com o advento da música digital, ficou muito difícil chegar a bons nomes porque as opções são muitas. Não existe mais um falando para milhares. Agora, são milhares falando para milhares. A gente vive um momento diferente, tudo são softwares. Mas essa intervenção tecnológica, isso já se fazia, não é de hoje. Não seria ela a responsável, caso houvesse esse empobrecimento.

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Por quê criar a própria gravadora?

Eu tenho a gravadora e a gravadora o distribui somente fisicamente. Nesse novo modelo mercado, quem tiver mais autonomia sobre o que faz, o seu próprio serviço, sua própria estrutura, vai poder mensurar melhor as novas ferramentas. Hoje, a minha maior descoberta é a volta a artesanalidade. No meio dessa loucura toda, com tantas informações circulando, é o diferencial. O artesanal é o viés, de como você lida com a indústria. Existe uma fórmula da indústria: você lança o disco, participa de vários programas; Para mim, o que existe é essa coisa meio mascate, o cara que onde vai, imprime uma excelência no que faz a ponto de conseguir uma confiança do público. Tenho a sensação de estar levando além. Cada um tem um estímulo, e o meu foi esse.

Existe dualidade entre o disco físico e os serviços de compartilhamento de músicas digital?

Não existe dualidade, digital e real, o que existe é a minha maneira de expressar e achar que isso tem a ver com educação, formação e entretenimento, claro. Prefiro acreditar que, mesmo depois do show, o cara pense nele como uma fotografia dos tempos modernos. Me dá uma serenidade no que faço. Por causa da minha intransigência em só querer fazer o que achava que deveria fazer, construo os repertórios com o mesmo com carinho de três décadas atrás. Passaram-se os anos e não me distanciei desse fogo de criar. Não me lembro que se passaram 30 anos. Prossigo com a mesma jovialidade do fazer e do criar. Esse tesão é minha melhor alegria. De estar aqui, fazendo, no coletivo.

Pernambuco vive um efervescente momento cultural, sobretudo no cinema e na música. Tem tempo para acompanhar a produção dos conterrâneos?

Tempo nunca tenho porque sou apaixonado pelo trabalho, e ele me consome muito. Tenho poucas horas para ouvir, ler e ver. Dessas três, ver para mim é fundamental. Acompanho muito mais cinema e imagem do que as outras expressões. Estou sempre assistindo novos filmes. Sempre achei que fosse virar um cineasta, mantive por anos essa paixão genuína. Sou da geração que frequentava cineclubes, tenho esse fascínio. Pernambuco tem produzido muitas coisas boas e já há algum tempo, desde o boom de Baile perfumado (Lírio Ferreira e Paulo Caldas). Sempre tem bons filmes saindo de lá. Stanley Kubrick tem o maior olhar de todos os séculos, mas O som ao redor (Kleber Mendonça Filho) é uma pérola.

Engraçado que, quando estava fazendo Chão, vi o filme e achei que era o meu disco na tela. Um som natural e orgânico, onde ele é o narrador da história. Gosto de cinema e os pernambucanos estão sempre me enchendo de orgulho. Tenho esse fascínio pela mensagem subliminar, por isso a minha música é cheia de camadas. Uso tempos de decupagem, só trabalho com música decupando, compactuando-a com o visual.

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Pela primeira vez, você gravou algo em parceria com o Nação Zumbi. O convite teve algo a ver com as efemérides ligadas ao frevo?

Estava ouvindo Madeira que cupim não roi, frevo do saudoso compositor Pernambucana Capiva, muito tradicionalista. Foi quando me ocorreu a ideia, pensei que o Nação poderia dar essa contemporaneidade a uma obra tão rica. E nasceu de imediato. Fomos ao estúdio sem nada pré-planejado. Foi a vontade de produzir junto que me levou até eles. Adoro trabalho coletivo, mas ele é um adjetivo que não diz muita coisa. Existem varias maneiras de exercitá-lo. Com o Nação, foi no estúdio. Gravando por camadas a bateria, baixo, guitarra. A parceria não aconteceu com essa materialidade antes, mas estivávamos sempre juntos em palcos e em festivais, não só no Brasil, mas em todo o mundo.

A sua música dialoga com vários gêneros. Isso é proposital?

Ali havia uma confirmação real e material que eu fazia um tipo de música que dialoga com uma porrada de coisa. Isso, de alguma maneira, me ajudou a pavimentar um caminho. Mas não sei dizer da onde vem o quê. Para quem é brasileiro, é mais fácil identificar o frevo, o maracatu, mas quando saio do Brasil, as pessoas encontram no meu trabalho o que ele não tem de brasileiro, e tem uma coisa que é do Led Zeppelin, do The Police. Eu faço uma hibridagem, se é que essa palavra existe. O que realmente me deixa com instinto para continuar fazendo música é a sensação de melhorar o ser humano, de alguma maneira. Isso tem muita a ver com perguntas que meu pai de fazia quando desde quando eu era menino: o que eu faço, porquê eu faço e para quem eu faço? Isso não mudou ao longo dessa vida toda. Esses elementos deram materialidade a minha carreira. Tenho a impressão de que esse sentimento de propriedade em relação a várias culturas musicais está relacionado ao meu instinto de saber porque e para quem eu faço as músicas.

SAIBA MAIS

Orgânico e conectado ao habitat que o cerca, como fazem artistas como a islandesa Bj;rk, Lenine concluiu Carbono em dois meses. Um tempo recorde e que, para ele, só tornou-se possível graças ao avanço tecnológico do mercado fonográfico.

Confira as faixas do disco.

Carbono
Castanho (Lenine e Carlos Posada)
O impossível vem pra ficar (Lenine e Vinicius Calderoni)
À meia-noite dos tambores silenciosos (Lenine e Carlos Rennó com Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz)
Cupim de ferro (Lenine, Pupillo, Dengue, Lúcio Maia e Jorge Du Peixe com Nação Zumbi)
A causa e o pó (Lenine e João Cavalcanti) - com Carlos Malta
Quedé água? (Lenine e Carlos Rennó) - com Marcos Suzano
Simples assim (Lenine e Dudu Falcão)
Quem leva a vida sou eu (Lenine)
Grafite diamante (Lenine e Marco Polo)
O universo na cabeça do alfinete (Lenine e Lula Queiroga com Martin Fondse Orchestra)
Undo (Lenine, Pântico Rocha, Guila, JR Tostoi e Bruno Giorgi)

*A repórter viajou a convite da gravadora Universal Music

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