Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Documentário acompanha turnê comemorativa dos Los Hermanos

O material foi dirigido pela atriz Maria Ribeiro, principal fã do grupo


Rio de Janeiro, final da década de 1980. No rádio, Maria Ribeiro ouve Tempo perdido, do Legião Urbana. Os versos de Renato Russo laçaram a alma da jovem carioca. Maria, assim como o compositor brasiliense, sempre gostou de refletir sobre o tempo, sobre o peso das horas em seus dias. Alguns anos se passaram e, às voltas com as questões existenciais comuns a estudantes universitários, Ribeiro depara-se com o show de um animado quarteto nos corredores da PUC-RJ, onde estudava jornalismo.

[SAIBAMAIS]Eram Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba fazendo um som que misturava ska, hardcore, indie rock e música brasileira. Nascia, ali, a relação entre Maria e o Los Hermanos, que ganhou um novo capítulo na última quinta-feira, quando entrou em cartaz o documentário Los hermanos ; Esse é só o começo do fim da nossa vida.

Com 85 minutos de duração, o filme está em cartaz em 10 cidades do país, incluindo Brasília. A cidade ganhou importante projeção nas filmagens. Maria explica as razões: ;É a capital do rock e o Los Hermanos herdou essa coisa catártica do Legião Urbana. No show de despedida da cidade, tocaram Tempo perdido. Me emocionei. Fiz questão de dedicar tempo relevante à Brasília porque é um dos momentos mais bonitos do filme. Aquele céu de fundo quando eles vão a Esplanada é muito simbólico;, relembra.

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;A Legião e o LH foram as duas bandas que mais me marcaram, cujos discos me iluminam, me ajudam em diversos momentos da vida. Uma no início da minha adolescência e a outra, da vida adulta;, continua.

O longa terá exibições na quinta, no sábado e no domingo às 21h. ;É uma maneira de me manter em cartaz com salas cheias sem competir com os Os Vingadores 2 e outros blockbusters. Ele tem a característica de filme-evento, as pessoas cantam junto no cinema. Tem sido incrível;, explica a documentarista, escritora e apresentadora.

Gratidão


Maria Ribeiro também assina o documentário Domingos, sobre a vida e obra de Domingos de Oliveira. Os filmes se assemelham no propósito: demonstrar gratidão. Desde que ouviu a banda pela primeira vez, a carioca compareceu em todos os shows possíveis. É uma ;hermaníaca; assumida, como se definem alguns fãs.

Los hermanos ; Esse é só o começo do fim da nossa vida foi gravado numa turnê do grupo em 2012, cinco anos depois de anunciarem pausa por tempo indeterminado. Não é um documentário no estilo biográfico, com depoimentos e entrevistas. A carioca baseou-se nos preceitos do cinema direto seguindo valiosos ensinamentos de João Moreira Salles, com quem teve aulas nos tempos de PUC-RJ. Maria não quis ser invasiva e faz-se quase invisível nas gravações.

Na película, as imagens se revezam entre as calorosas apresentações dos cariocas e registros íntimos, em que, por vezes, os retratos dos bastidores dão lugar à visões oníricas. É quando Camelo ou Amarante, que tem apreço pela sétima arte, gravam alguns planos-sequência focados em detalhes pessoais, como os pés um do outro. ;Conforme ficaram mais à vontade com minha presença, eles pegaram a câmera e se integraram à equipe de filmagem;, conta Maria.


Em um dado momento, é possível imergir em momentos estritamente pessoais. Quando Camelo e Mallu, à época sua namorada, trocam carinhos entre um show e outro. Ou quando Amarante emociona-se ao dedicar O velho e o moço ao pai e nota que o patriarca está presente no show em Brasília. A música ; ele havia dito anos antes ; contava sobre a relação entre eles.

Maria garante que nada foi planejado. ;Tudo o que apresentamos aconteceu sem roteiro. Não combinamos nada. Ocasiões que ponderava serem íntimas demais sequer foram gravadas. Em nenhum momento, abusei da confiança e do lugar que eles me permitiram entrar. Fiz um documentário sem perguntas polêmicas, um cinema direto;, diz.

Outro ponto alto da película é dar protagonismo a Bruno Medina e a Rodrigo Barba, dois integrantes do grupo que costumavam ser relegados a segundo plano. No documentário, ganham igual projeção. O primeiro, por admitir ser o responsável pela escolha dos setlists. O segundo, pela declaração corajosa, ao explicar o fim do grupo por ;medo de cair na mesmice, de fazer discos iguais aos anteriores;. Como na canção que nome dá nome a película (Conversa de botas batidas, do disco Ventura, de 2003), era só o começo do fim.

Duas perguntas // Maria Ribeiro


No documentário, Camelo e Amarante demonstram sintonia e intimidade. Isso derruba a imagem de que a banda tenha acabado por conflito de egos. Isso foi intencional?
Na verdade, fiz tudo no escuro. Não sabia qual era a relação deles. Queria fazer um filme que acompanhasse a turnê e que nos fizesse sentir parte daquilo, interferindo o mínimo possível. Os dois são pessoas muito íntegras e se houvesse alguma briga, não voltariam a se reunir por questões comerciais. Eles tiveram muito prazer em tocar juntos e mostrar um ao outro o que faziam em carreira solo. No filme, há uma cena em que Amarante mostra Tardei para Camelo, que viria a compor o disco Cavalo, e eles têm uma troca genuína de informações.

Pelo fato de ter tanto envolvimento pessoal com o Los Hermanos, considera o filme metalinguístico?
Não sei se metalinguístico. Ele não tem a pretensão de ser um tratado sobre o Los Hermanos. Para quem nunca ouviu falar da banda, talvez ele soe um tanto estranho, porque eu não quis ser imparcial. Não é genérico, é um filme claramente amoroso. Penso sempre em fazer os filmes que eu gostaria de ver. Nas poucas vezes em que apareço, apareço embevecida. É uma relação de fã, honesta. Quando se faz um documentário sobre qualquer coisa, às vezes ela fala mais de você do que do próprio documento. Eu coloquei o título justamente por isso. Está todo mundo ; eu e eles ; indo para a casa dos 40, idade que marca a segunda metade da vida, a despedida da juventude. É um filme sobre até que ponto conseguimos manter laços com o seu grupo de adolescência, pessoas que conheceu os 20 anos.

CRÍTICA

Los hermanos - Esse é só o começo do fim da nossa vida ####

Num corredor nos bastidores do festival Abril Pro Rock, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo demonstram certo nervosismo. "É agora?", pergunta Camelo. "É agora", responde o colega de banda. Minutos depois, entram no palco e cantam para 15 mil fãs fervorosos.

Como de praxe, o público os acompanha do início ao fim de cada canção. Num instante, a apresentação ganha ares de celebração religiosa. É desse equilíbrio entre registros por trás dos palcos e o frenesi dos fãs em cinco capitais (na qual se inclui Brasília) que mora o êxito de Los Hermanos - Esse é só o começo do fim da nossa vida, de Maria Ribeiro.


Nos intervalos entre um show e outro, no estilo roadie movie, há espaço para confissões, novas composições, partidas de videogame e momentos de intimidade. Maria apresenta um olhar afetuoso e discreto do adeus aos palcos da banda. Como se fosse mais uma hermana, tem olhar delicado e se faz invisível nas gravações, calcada no cinema direto.