Ricardo Daehn
postado em 27/05/2015 08:00
Uma figura abundante em contradições vem dar as caras na festa que comemora os 20 anos de instituição do festival É Tudo Verdade, em mais uma versão candanga, no cinema do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Sinônimo de intrincadas tramas e mentor das mais radicais mudanças no cinema de ficção, o centenário cineasta Orson Welles faz parte da comissão de frente da programação da mostra de documentários idealizada pelo crítico Amir Labaki. Mas seria Welles um penetra dos 20 anos da festa? Nada! O nome dele sobressai em É tudo verdade ; Baseado em um filme inacabado de Orson Welles (1993) e Verdades e mentiras (1973), última fita do mestre.
Confira a programação da mostra
Intermediando tramas de falsários, neste segundo título, Welles ri da maquinação de verdades forjadas, entre as quais as imitações de obras de artes recriadas pelo falsário Elmyr de Hory. Com direito até a distinção pela Escola Nacional de Belas Artes (registrada em cinejornal), na passagem pelo Brasil, nos anos de 1940, Welles é a pólvora do longa É tudo verdade ; que juntou, em estapafúrdias circunstâncias, dados e elementos como enfrentamentos sociais de pescadores, no governo Getúlio Vargas; feitiçaria; carnaval e o desaparecimento da popular Praça Onze. Só vendo para crer.
Dado o cardápio múltiplo de produtos audiovisuais do festival É Tudo Verdade ; que, na versão local, alinhará uma dúzia de filmes ;, é interessante demarcar a popularização de ferramentas que possibilitam a captação do que seja categorizado como realidade. Vale daí a colocação: tanto acesso e proliferações de versões para um mesmo fato não demoveria relevâncias de material? ;Não vejo incompatibilidade entre popularização e pluralidade, de um lado, e reconhecimento e complexidade, de outro;, comenta Amir Labaki, o idealizador do evento que, neste ano, já passou pelo eixo Rio-São Paulo e por Belo Horizonte.
Cinco perguntas para Amir Labaki, fundador do É Tudo Verdade
Documentário ainda é distração de nicho?
O cinema ficcional sempre foi hegemônico, e creio que seguirá sendo, mas o documentário felizmente superou o estigma de produção para poucos.
Uma das formas de alcançar a realidade é a da contraposição de dados opostos, objetivo demonstrado na retrospectiva 20! Vinte aos Pares, inserido na mostra. Há filmes na atual seleção que sigam esse caminho?
O contraste de pontos de vista é a base, por exemplo, de O outro homem, sobre o complexo papel do ex-presidente De Klerk na extinção do cruel regime do apartheid na África do Sul, e de Essa é minha terra, que contrapõe discursos históricos sobre os territórios e os conflitos israelenses e palestinos.
Só aspectos negativos geram relevância e interesse por documentário?
Não, o documentário vai muito além da radiografia de crises. Não dá para ver apenas ;aspectos negativos;, por exemplo, em A Paixão de JL, de Carlos Nader; em O outro homem, de Nicolas Rossier, ou mesmo em 1989, feito pela dupla Anders Ostergaard e Erzsébet Rácz ; esse incluído no segmento, para exibição em Brasília, de O Estado das Coisas.
Como viu, em termos de qualidade, o esperado Essa é a minha Terra?
É um belo documentário sobre o comprometimento da perspectiva de um acordo de paz entre israelenses e palestinos enquanto narrativas totalmente polares e conflitantes forem a base da formação escolar das crianças e jovens da região.
Na balança, qual o ponto mais alto do evento, na sua opinião do festival que completa 20 anos. O que foi inesquecível?
É impossível eu destacar um único momento, uma edição específica, uma cena de filme. Precisei de um livro inteiro, de 300 páginas, intitulado É tudo cinema (Imprensa Oficial) para, há cinco anos, contar a história dos então 15 anos do festival. Creio que o ponto mais alto está sempre no futuro.