Nahima Maciel
postado em 31/05/2015 08:03
Ai Weiwei não evita a política nem teme a perseguição. O artista que ficou três meses preso e foi torturado pela polícia chinesa faz questão de mostrar a cara quando se trata de palestras, encontros e entrevistas sobre temas polêmicos. Já Jeff Koons, que ficou bilionário com obras carregadas no tom pornográfico como as fotografias de sexo com a ex-mulher Cicciolina, tem pavor de política e ama a fama. Para ele, não há lado ruim em ser famoso e o mercado conquistado a partir desta condição não pode ser maculado com discussões políticas. Só os depoimentos de dois dos nomes mais badalados da arte contemporânea já valem a leitura de O que é um artista?, o livro mais recente da crítica de arte Sarah Thornton, que acaba de ganhar tradução em português pela Zahar.
[SAIBAMAIS]Sarah é experiente. Ex-editora e atual colaboradora da revista The Economist e de publicações como The New Yorker e Art Forum, tem um texto que faz a arte contemporânea parecer de fácil acesso independente do quão abstrata ou minimalista sejam as ideias do artista. Seu Seven days in the art world (;Sete dias no mundo da arte;) fez tanto sucesso que foi traduzido em 16 idiomas. Durante os últimos seis anos, Sarah rodou o mundo numa maratona de entrevistas com os artistas mais bem-sucedidos da cena contemporânea. No roteiro entraram Marina Abramovic, Damien Hirst, Gabriel Orozco, Maurizio Cattelan, Lena Dunham e seus pais, Laurie Simmons e Carroll Dunham, além de Koons e Weiwei. Beatriz Milhazes foi a única brasileira do time.
Sarah queria um olhar diferentete, que fugisse das análises críticas e desse voz ao artista, mas que também mostrasse seus modos de produção, a maneira como transitam no jet set das artes, que olhar têm de si mesmos e o que entendem por ser um artista. Para isso, a autora dividiu o livro em segmentos intitulados Política, Filiação e Ofício. Não há nada de linear na maneira como Sarah organiza o O que é um artista?. Cenas, como se fossem esquetes de um filme, se intercalam e vão e vêm. Alguns artistas aparecem em vários segmentos ou ganham vários capítulos dentro de um mesmo segmento, o que dá certo dinamismo à narrativa.
O que é um artista? não é um livro sobre conceitos filosóficos nem sobre a crítica de arte, é um livro sobre como os artistas enxergam a si mesmos. ;Decidi comparar e contrastar certos artistas, colocá-los como antagonistas e criar um livro que é como um quebra-cabeça de cenas intercaladas;, conta a autora, em entrevista ao Diversão & Arte.
O que é um artista?
De Sarah Thornton. Tradução: Alexandre Barbosa de Souza. Zahar, 444 páginas. R$ 59,90.
Entrevista // Sarah Thornton
Como os artistas reagiram?
A maioria gostou do tom do livro. Houve uma interpretação equivocada com três ou quatro. Normalmente, artistas são tratados com muito mais reverência. Eu os trato como seres humanos ao invés de santos.
Você já sabia que tipo de livro queria escrever quando começou a pesquisa?
Eu não tinha ideia de que tipo de livro queria. Eu gosto de deixar a pesquisa de campo me guiar pelas personalidades que, em troca, me dão a história e a estrutura.
O quanto de política e influências está presente hoje na arte contemporânea e como são importantes para a cena de artes visuais?
Arte é sempre envolvida com a estrutura de poder, seja de maneira explícita ou não. E não há como escapar de influências e apadrinhamentos. Os artistas nunca conseguem tudo por si mesmos; eles são apoiados por suas esposas, marchands, curadores, críticos. É preciso uma comunidade de protagonistas do mundo da arte para criar um consenso.
Você diz que temas como apadrinhamento, técnica e política são universais e levam o mundo da arte para além do gueto da arte. Como?
Política (ou preocupação com o mundo fora de nós mesmos), apadrinhamentos (família e network) e técnica (trabalhar duro, fazer as coisas cada vez melhor) são relevantes e significativas fora do mundo da arte. Não são típicos do mundo da arte. Não são tópicos chave no mundo da crítica de arte.
Por que incluiu Jeff Koons na seção Política e deixou o mercado para a seção Ofíciose Koons é frequentemente um tema forte do mercado de arte?
Tanto já foi escrito sobre Jeff Koons. Eu queria oferecer um olhar mais fresco. Ele parece ser alérgico a política mas, claro, ele tem posições fortes em relação a vários assuntos políticos. Uma das razões pelas quais ele quer separar seu trabalho da política é porque teme que possa atrapalhar seu mercado.
Como o mercado deve ser visto quando se trata de arte contemporânea?
O mercado comanda as manchetes e cada vez mais invade a consciência dos artistas. Em várias culturas, as pessoas não têm fé em artistas quando percebem que eles estão motivados por ganhos. É difícil, para jovens artistas em particular, se concentrar no famoso chamado superior.
Por que, na sua opinião, obras tradicionais do século 20 têm atingido preços cada vez mais estratosféricos nas casas de leilões, como aconteceu com Picasso e Bacon?
Os preços do Picasso e do Bacon não têm nada a ver com o quanto essas pinturas valem e têm tudo a ver com o que o dinheiro significa para seus compradores. Esses bilionários têm muito dinheiro para gastar, mas isso não significa que têm bons olhos ou consultores confiáveis. Eu nem acho que As mulheres de Argel seja nem um grande Picasso nem um investimento sensato.
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